A lenda do Grande Inquisidor e o Grande Cisma em Dostoiévski

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Traduzido por Tony Pedroza
30 de janeiro de 2023

A imagem de Cristo de Dostoiévski é expressa vividamente na narrativa “O Grande Inquisidor”, presente em sua última e mais religiosa novela, Os Irmãos Karamazov (1879-1880). O conto, comumente referido como  “A Lenda do Grande Inquisidor” é, na verdade, apresentado em nível de meta-ficção.

O autor da lenda é Ivan Karamazov, que relata seu poema não escrito, sobre um personagem imaginário que pode ter imaginado seu encontro com Cristo, para seu irmão Alyosha (Jones 1976: 191). A lenda se passa em Sevilha durante o século XVI no auge da Inquisição espanhola. Em meio ao sofrimento e à tortura dos hereges queimados na fogueira, Cristo aparece “na forma humana em que andou entre a humanidade por três anos há quinze séculos” (PSS 14: 226). Seu retorno à Terra não é como aquele que foi profetizado na Segunda Vinda, mas sim para consolar e re-inspirar momentaneamente “seus filhos” que imediatamente o reconhecem. Cristo move-se entre o povo, abençoando-os e realizando milagres, irradiando amor e compaixão. O Grande Inquisidor, um homem velho, testemunha esses milagres e ordena sua prisão. À noite, ele visita Cristo em sua cela e realiza um longo monólogo no qual confronta Cristo com o fardo que Ele pôs sobre a humanidade. Ele afirma que Cristo não tem o direito de aparecer na Terra e “nos impedir” porque, quando Ele deixou a Terra, Ele concedeu aos predecessores do Inquisidor o direito de ensinar e agir de acordo com Suas palavras em sua própria maneira (PSS 14: 229). Cristo permanece em silêncio durante todo o monólogo: nenhuma vez tenta se opor aos argumentos do Inquisidor ou desenvolver suas próprias idéias.

O argumento do Inquisidor é inteiramente centrado no problema da liberdade. Ele reprova a Cristo por ensinar à humanidade a promessa de liberdade. No entanto, de acordo com o Inquisidor, a humanidade é muito fraca para lidar com essa liberdade, e é por isso que a Igreja assumiu o controle. O Inquisidor acredita que a felicidade na Terra só pode ser alcançada quando a humanidade tiver entregue sua liberdade. Ele fundamenta sua argumentação dentro da estrutura bíblica da tentação de Cristo no deserto. Ele afirma que as três questões colocadas nas tentações são as mais fundamentais em toda história humana porque elas contêm a resposta para aquilo que a humanidade realmente precisa. Com o conhecimento de quinze séculos de história humana atrás dele, o Inquisidor coloca essas três questões novamente para Cristo e visa expor as consequências desastrosas das respostas de Cristo para a humanidade. O inquisidor reformula a primeira tentação da seguinte maneira:

Você quer ir ao mundo, e vai com suas mãos vazias, com alguma promessa de liberdade em que eles, em sua simplicidade e mal-estar nato, não podem sequer compreender, eles temem e receiam, pois nada nunca foi mais insuportável para o ser humano e a sociedade do que a liberdade. Você vê as pedras neste deserto estéril e ressecado? Transformai-as em pão, e a humanidade correrá atrás de ti, como um rebanho de ovelhas, gratos e obedientes, embora sempre tremendo, temendo que retires a tua mão e não lhes dês mais o teu pão. Mas você não quis privar a humanidade da liberdade e rejeitou a oferta, pois pensou, que liberdade é essa, se a obediência é comprada com pão? Você respondeu que o homem não vive apenas de pão (Pv 14,23).

Nessa tentação, o Inquisidor revela sua verdade, que os humanos não podem lidar com a liberdade que Cristo queria que eles tivessem, aquela apresentada a eles. Ele acredita que a verdadeira preocupação da humanidade não é a liberdade, mas a satisfação das necessidades mais primitivas e naturais, como a fome e o frio. Em sua cosmovisão, o ser humano é um ser fraco e quase animalesco (“a raça fraca do homem, sempre pecaminosa e ignóbil”) cujo comportamento é totalmente determinado por desejos materiais (PSS 14: 231). O “pão celestial” (khleb nebesnyi) ou a liberdade que Cristo prometeu à humanidade não pode se igualar ao “pão terreno” (khleb zemnoi) ou ao bem-estar material que o Grande Inquisidor e seus companheiros líderes religiosos fornecem à humanidade (PSS 14: 231). Uma vez que o ser humano é por natureza guiado por motivos puramente egoístas, ele nunca poderá compartilhar seu pão com os outros; é por isso que, de acordo com o Inquisidor, não é possível dar a humanidade a promessa da liberdade e do pão, da singularidade espiritual e do bem estar material. Apenas alguns indivíduos excepcionalmente fortes são capazes de disciplinar suas necessidades naturais e podem ser virtuosos e altruístas enquanto sofrem de dor e fome. No entanto, a maioria dos seres humanos, “numerosos como a areia do mar”, são determinados por sua condição física e acabariam por matar para satisfazer sua fome. Assim, o Inquisidor crê que, para bem do bem-estar universal da humanidade, é imperativo reconhecer e satisfazer primeiro os seus desejos materiais: “a humanidade proclamará [...] que não há crime e portanto nenhum pecado, que há apenas famintos. Alimenta-os, e então exija virtude deles” (PSS 14: 230). A humanidade prefere um estado de escravidão em vez de um destino de fome. Aparentemente por amor e compaixão pela humanidade sofredora e fingindo agir em nome de Cristo, o Grande Inquisidor e os outros oficiais da Igreja assumiram a tarefa de libertar a humanidade desta terrível e insuportável liberdade e de trazer o bem-estar material para Terra. Para o inquisidor, o erro de Cristo é que ele desconsidera os desejos físicos e materiais do homem, concentrando-se principalmente nas necessidades espirituais do homem. O Inquisidor reconhece, no entanto, que o pão terrestre sozinho não é suficiente para o bem-estar humano nem para a perfeita ordem humana que ele aspira alcançar. Nascido “rebelde” (buntovshchik), o humano não pode aceitar que ele é um mero produto das leis naturais e assim se percebe de uma forma mais idealizada (PSS 14: 229). Como o Inquisidor afirma, “o mistério da existência humana não é apenas viver, mas saber por que se vive” (PSS 14: 232). Os seres humanos se esforçam para transcender as limitações de sua condição natural e adicionar uma dimensão moral à sua existência. Apesar de sua natureza predeterminada, eles não estão apenas satisfeitos com o pão terreno, mas também estão inclinados a compor categorias morais e observar o mundo e a si mesmos dentro desse quadro. Fazem de sua consciência, que é a fonte das distinções morais, o fundamento primário de seu ser. O Grande Inquisidor não ignora a afirmação humana da consciência pessoal. Ele sustenta que, para tomar posse da liberdade humana, deve-se chegar a uma solução para essa inquieta consciência, solução que é complementar à satisfação imediata das necessidades físicas do ser humano. O mistério da consciência humana é que “não há nada mais sedutor para o ser humano do que sua liberdade de consciência (svoboda sovesti)”, mas ao mesmo tempo “não há nada mais agonizante também” (PSS 14: 232). Quando se está plenamente consciente deste paradoxo, pode-se aliviar os seres humanos desta liberdade atormentadora, como o percebe o Grande Inquisidor. Ele culpa Cristo por afirmar esta liberdade de consciência ao invés de tomar posse da liberdade do homem, iluminando assim a sua existência:

Digo-vos que o humano não tem preocupação mais angustiante de que encontrar alguém para que possa mais depressa entregar esse dom da liberdade, com o qual a infeliz criatura nasce. Mas só aquele que pode apaziguar a sua consciência, pode tomar posse de sua liberdade [...] em vez de tirar a liberdade dos humanos, você aumentou-a ainda mais [...] você sobrecarregou o reino da alma humana para sempre com os sofrimentos da liberdade (PSS 14: 232).

Cristo dotou a humanidade com a completa “livre escolha no conhecimento do bem e do mal” (Svobodnogo vybora v poznanie dabra i zla) (PSS 14: 232). Contudo, de acordo com o Inquisidor, a maioria da humanidade carece da força espiritual e moral para determinar para si mesmos o valor moral do bem e do mal. O Inquisidor revela a Cristo as ramificações de sua mensagem de liberdade moral para a humanidade: a perpétua busca do bem e do mal do homem só resultou em tormento mental e infelicidade. O humano é demasiado fraco para determinar seus próprios padrões morais, e é por isso que, como o Inquisidor sustenta, o humano anseia por ídolos, por autoridades espirituais externas, por um exemplo ético para modelar seu comportamento. Atormentado pela carga da autonomia moral e da consciência pessoal, a humanidade se encontra ansiosa para entregar sua liberdade existencial para uma autoridade absoluta.

O Grande Inquisidor apresenta a Cristo a segunda tentação, onde Ele teve a oportunidade de provar sua divindade por meio de um milagre e, se o fizesse, poderia ter se tornado o ídolo pelo qual a humanidade anseia. A tentação revela os meios mais eficazes para atrair a humanidade a entregar a sua liberdade.

Há três forças, as únicas três forças na terra, que são capazes de conquistar e manter cativo para sempre a consciência desses rebeldes fracos por sua própria felicidade, essas forças são: o milagre, o mistério e a autoridade (chudo, tajna i avtoritet). Você rejeitou os três e você mesmo estabeleceu o exemplo de como fazer. Quando o espírito terrível e sábio te colocou no pináculo do templo e te disse: “Se és filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito que te guardem” (PSS 14: 232f.).

Cristo ensinou ao homem para “decidir com um coração livre por si mesmo, o que é bom e o que é mau” (svobodnym serdtsem [...] reshat 'vpred' sam, chto dobro i chto zlo) (PSS 14: 232). Na visão do Inquisidor, em contraste, o ser humano deve ser ensinado que a questão do bem e do mal é um mistério que deve ser aceito e acreditado, ao invés de uma escolha livre a ser feita. Não é “a decisão livre de seus corações, nem o amor que é importante para eles, mas o mistério que eles devem cegamente obedecer, mesmo se for contra sua consciência” (PSS 14: 234). Porque, como diz o Inquisidor, o conhecimento do bem e do mal é inacessível para a humanidade e, portanto, os seres humanos não podem deixar de obedecer a uma autoridade externa e absoluta, que é sobretudo confirmada por milagres: o humano “não busca tanto Deus, mas um milagre” (PSS 14: 233). É a opinião do Inquisidor que o ser humano está disposto a ceder sua liberdade para quem lhe dá o pão e tem a chave para os três poderes que podem aliviar o anseio moral do ser humano, isto é, “o milagre, o mistério e a autoridade”.

Com relação à terceira tentação, o Inquisidor defende que a felicidade do homem ainda não é garantida pelo bem-estar material e pela autoridade moral. O terceiro tormento da humanidade é a “necessidade de unidade universal”, em unir-se em um “formigueiro indisputável, comum e harmonioso” (PSS 14: 235). Os seres humanos precisam se curvar a um ídolo, e eles anseiam fazê-lo junto com outros. O Inquisidor defende que a unidade que a humanidade procura é universal porque a coexistência de diferentes ídolos mina a autoridade de cada ídolo individual e resulta em desordem moral. Ele alega que esta unidade universal não só deve ser realizada na esfera espiritual, proporcionando uma autoridade espiritual, mas ainda mais importante, na realização de uma ordem secular. E aqui está o significado da terceira tentação. O diabo ofereceu a Cristo todos os reinos do mundo em troca da adoração de Cristo a ele. E, recordando esta última tentação a Cristo, o inquisidor revela quem ele realmente adora e em quem está sua fé:

Não estamos com você, mas com ele, esse é o nosso segredo! Por muito tempo não estamos mais com você, mas com ele, já há oito séculos. Exatamente oito séculos atrás, nós tomamos dele aquilo que você rejeitou com indignação, aquele último presente que ele lhe ofereceu, mostrando todos os reinos do mundo. Tomamos dele a espada de Roma e de César (mech kesaria) e proclamamo-nos os reis da terra (PSS 14: 234).

Cristo ensinou à humanidade que Seu reino não é deste mundo (João 18: 36-39). O Inquisidor, ao contrário, aspira construir um paraíso terrestre, um estado universal no qual a felicidade material e espiritual da humanidade é assegurada. A referência a “oito séculos atrás” não é arbitrária. A lenda do “Grande Inquisidor” se passa no século XVI, mas oito séculos antes, houve dois eventos no mundo cristão que revelaram as diferenças ideológicas entre a Igreja Oriental e a Igreja Ocidental. Em 756, o rei franco, Pepino o Breve, deu ao Papa Estêvão III a soberania sobre Ravenna, concedendo-lhe assim o poder secular (Terras 1981: 234). Para Dostoiévski, esta apreensão do poder temporal pela Igreja Católica foi uma traição da recusa de Cristo de um reino terrestre, como foi oferecido a Ele pelo diabo. Embora Cristo tivesse explicitado que Seu Reino não pertence a este mundo, a Igreja Romana havia aceito em Seu nome a secularidade do império romano e tinha tomado a espada de César como um instrumento de compulsão para levar a mensagem de Cristo aos povos bárbaros. Ao se envolver em assuntos terrenos, a Igreja Ocidental tinha sido infiel à promessa de Cristo de um paraíso celestial.

No entanto, foi outro evento, no campo da teologia, que seria crucial para a divisão final entre a Igreja Ocidental e Oriental. Em 796, um sínodo local de bispos latinos acrescentou a cláusula Filioque ao credo Niceno, que se tornaria prática comum na Igreja Ocidental. A cláusula proclama que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho (qui ex Patre Filioque procedit). Esta cláusula foi aceita pelos teólogos ocidentais, mas rejeitada pela Igreja Oriental, resultando assim em uma disputa teológica entre o Ocidente e o Oriente, o que, por sua vez, revelou que ambos tinham uma concepção diferente da Divindade. O Trinitarianismo ocidental tomou a unidade de Deus como ponto de partida e considerou o Espírito como o elo de união entre Pai e Filho. Em tal teoria, Deus é uma entidade com três hipóstases. O Trinitarianismo oriental, em contrapartida, afastou-se do Pai, do Filho e do Espírito Santo como três entidades desarticuladas e procurou definir a relação entre elas de modo a assegurar sua unidade. Nessa teoria, o Pai é a fonte, o princípio e a causa dentro da Trindade. A Trindade é uma unidade se tanto o Filho como o Espírito emanam de uma causa, o Pai. Os teólogos orientais compararam a Trindade a uma balança de equilíbrio, na qual o Pai é o ponto de equilíbrio no centro, do qual dependem tanto o Filho quanto o Espírito Santo. Assim, eles condenaram o Filioque ocidental porque tornou o Filho igual ao Pai (Pelikan 1977: 183ff.). Basicamente, para a Igreja Oriental, a cláusula Filioque traiu o princípio supremo cristão da transcendência e imanência simultânea de Deus, uma verdade que não pode ser compreendida pela razão humana e deve permanecer um mistério para a humanidade.

Para Dostoiévski, as sementes do cisma oficial entre a Igreja Ocidental e Oriental em 1054 foram semeadas três séculos antes, quando os Bispos latinos alteraram a verdade doutrinária sem o consentimento de toda a Igreja. É óbvio que o Grande Inquisidor está do lado da Igreja Católica Romana. Pois, oito séculos depois do Filioque, ele continua a típica inclinação da Igreja Latina para racionalizar o princípio incognoscível e ininteligível da verdade cristã: este é, na perspectiva oriental, o paradoxo da transcendência e imanência simultânea de Deus. Os teólogos ocidentais, buscando uma definição mais inteligível da unidade trinitária, subjugaram esse paradoxo, enfatizando a transcendência de Deus e excluindo Sua imanência. Para os crentes orientais, assim como para Dostoiévski, isso implica a exclusão de Deus do mundo.

Assumindo que Deus está ausente neste mundo, o Grande Inquisidor e os ex-líderes católicos tentaram organizar uma ordem humana baseada em uma autoridade terrena. Para esse fim, eles se aliaram com um poder secular e tomaram a “espada de César”. Esta é mais uma alusão à história da Igreja Latina. No século VIII, o papado romano, sentindo-se ameaçado pelas invasões de tribos bárbaras vizinhas, entrou numa aliança com Carlos Magno que os ajudou a derrotar e cristianizar esses povos pagãos. Embora Carlos Magno não fosse um especialista em questões teológicas, ele apoiou o Filioque e desempenhou um papel crucial na aceitação dele no credo da Igreja Ocidental. Para selar a aliança, o Papa Leão III o coroou imperador do Sacro Império Romano em 800 (Ward 1986: 169). A Igreja Católica, assim, se integrou no estado terrenal e se conformou às instituições legais e cívicas do império romano. Sucumbindo à necessidade humana da unidade universal, a Igreja Católica Romana buscou essa unidade em uma ordem material e secular e preferiu a autoridade visível do imperador e do papa em vez do ideal invisível de Cristo. A Igreja Ocidental cedeu à terceira tentação e aceitou a oferta de todos os reinos deste mundo. E aqui reside o segredo do Grande Inquisidor: no Ocidente a Igreja não viveu pelo ensinamento de Cristo sobre a liberdade, mas renunciou à sua liberdade para aquele que tentou a Cristo no deserto, Satanás:

Aceitando a púrpura de César, terias fundado o império universal e dado a paz ao mundo. Com efeito, quem está qualificado para dominar os homens senão aqueles que lhes dominam a consciência e dispõem de seu pão? Tomamos a espada de César e, assim fazendo, nós Te abandonamos para segui-lo. (PSS 14:235).

Prosseguindo a sua convicção racional de que o homem só pode alcançar a felicidade num paraíso terreno, o Inquisidor chega até mesmo a rejeitar a imortalidade da alma e a ideia do Paraíso Celestial: “Tranquilos eles morrerão, pacificamente expirarão em seu nome e, além do túmulo, encontrarão apenas a morte”. No entanto, pela paz de espírito da humanidade, “nós os atrairemos com uma recompensa celestial e terrena” (PSS 14: 236). O Inquisidor assim abandona uma das doutrinas mais essenciais do cristianismo, a doutrina da salvação e da ressurreição da humanidade no outro mundo. Ele reprova a Cristo por ter trazido à humanidade uma vaga promessa de um reino celestial ininteligível, deixando-os em condição de infelicidade e ignorância: ele tomou para si a tarefa de salvar a humanidade infeliz e proclama-se o novo salvador (“salvamos a todos” PSS 14: 236). Ele não coloca a salvação final da humanidade no paraíso celestial, mas busca uma ordem humana universal neste mundo que salvará a humanidade nesta vida. Isso mostra novamente que o Inquisidor se liga a Satanás e não a Cristo que proclama ressurreição no Reino Celestial.

Embora a ficção de Dostoiévski seja geralmente marcada por um discurso polifônico, a figura de Cristo neste texto específico não fala explicitamente. Ainda assim, ele representa a voz ideológica mais original no discurso fictício de Dostoiévski. A imagem do Cristo silencioso oferece a solução para todas as buscas ideológicas dos outros personagens fictícios ou, colocando nos termos de Bakhtin, “esta voz mais elevada deve coroar o mundo das vozes, organizá-lo e subjugá-lo” (Bakhtin 1984: 97). Como interpreto, Cristo permanece em silêncio porque a sua verdade é algo que não pode ser capturado na linguagem humana. O silêncio absoluto de Cristo em confronto com as fortes acusações do Grande Inquisidor afirma o típico dogma apofático ortodoxo da inefabilidade da “palavra” divina. Na tradição cristã ortodoxa, a verdade divina não pode ser comunicada, mas apenas pode ser manifestada pelas obras de Cristo. Ou, como observou Dostoiévski em seus cadernos dos Demônios, em relação a Cristo “não há sequer ensinamentos, apenas palavras ocasionais, ao passo que a coisa principal é a imagem de Cristo, da qual procede todo ensinamento” (PSS 11:19).

“Se você distorcer a fé de Cristo, combinando-a com os objetivos deste mundo, todo o significado do cristianismo é imediatamente perdido, a mente irá, sem dúvida, cair na descrença, e em vez do grande ideal de Cristo ali surgirá apenas uma nova torre de Babel. [...] Sob a aparência do amor social pela humanidade, ali surge um desprezo quase disfarçado por ela”
Palavras de Dostoiévski em uma introdução a uma leitura pública de “O Grande Inquisidor”

Retirado do livro “What the God-seekers Found in Nietzsche” por Nel Grillaert

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