A América do Norte é uma gigantesca ilha no oceano do mundo, e desentendimentos linguísticos entre este continente e outras partes do mundo têm sido frequentes e numerosos: colocar a Síria e o Líbano no Oriente Médio (onde então é o Oriente Próximo?) é tão errôneo quanto o uso do termo “Holocausto” (um sacrifício helênico para obter a ajuda dos deuses) para um brutal assassinato em massa, para não mencionar a idiotice de falar sobre “chauvinismo masculino” (chauvinismo enquanto machismo). Para agrupar monarquistas tradicionais e nacional-socialistas na mesma categoria como direitistas é necessária uma confusão tão grande quanto a de rotular esquerdistas semi-socialistas de “liberais”. Este último erro mencionado é relativamente recente, e como vim pela primeira vez aos Estados Unidos no final do New Deal, fui testemunha do início dessa deplorável perversão. Mas como isso aconteceu?
O termo “liberal”, em sua conotação política, é devido à Espanha, a nação que sempre valorizou muito a liberdade, talvez até excessivamente, tendo produzido muitos dos grandes anarquistas dos últimos 150 anos. Resistindo à invasão napoleônica, a Espanha proclamou no libertado Sul, em Cádiz, uma constituição liberal cujos adeptos foram chamados “los liberales” (eles tachavam seus oponentes de “los serviles”). Obviamente, um verdadeiro liberal é uma pessoa que tem alta estima pela liberdade, e, tendo o Novo Testamento frequentemente tratado de liberdade (eleutheria), mas quase nunca de igualdade, não é de surpreender que o cristianismo tenha uma teologia personalista. Os liberais, assim, representam a liberdade corretamente entendida.
Em 1816, Southey usou a expressão “liberal” pela primeira vez na Inglaterra, mantendo ainda a forma espanhola, “liberales”. Sir Walter Scott adotou a forma francesa “libéraux”. Em 1832, no contexto de uma grande reforma parlamentar, os Whigs assumiram o rótulo de liberais, e os Tories o de “conservadores”. Curiosamente, foi o liberal Chateaubriand quem chamou seu jornal de Le conservateur, uma palavra que ele inventou, mas naquele período inicial liberais e conservadores não estavam tão distantes um do outro. (Burke - como um Whig - era liberal e conservador também. Ele é quase adorado pelos conservadores americanos de hoje).
Edmund Burke morreu em 1797; Adam Smith, um moralista, economista e grande liberal, em 1790. Eu chamaria ambos de “pré-liberais” porque eles não usavam (nem poderiam usar) o rótulo de liberal. Considero até mesmo Voltaire um “protoliberal”, um homem que amou a liberdade, apoiou o “liberal” Luís XVI contra os parlamentos reacionários e foi totalmente incompreendido, não só por seus contemporâneos como também pelas gerações posteriores. (Ele mandou construir uma igreja em Fernet, ia à missa todos os domingos e era tudo menos um democrata. Para entendê-lo, é preciso ler sua brilhante biografia de Alfred Noyes, um converso católico).
Assim, podemos chamar essa primeira fase do liberalismo de “pré-liberalismo”, e a segunda fase, que sucede esta primeira, de “liberalismo inicial”, sendo seus representantes de destaque Alexis de Tocqueville, o Conde Montalembert e Lord Acton, três aristocratas católicos. Aqui, devemos ter em mente que os períodos de liberalismo (como de outras correntes intelectuais) se sucederam como em ondas sobrepostas. De Tocqueville nasceu em 1805, e Acton morreu em 1902. Estes “liberais iniciais” eram cristãos católicos devotos, Montalembert e Acton durante toda a vida e de Tocqueville quando mais velho. Seu amor pela liberdade estava enraizado no Cristianismo.
A terceira onda pode ser chamada de os “velhos liberais” que não se inspiravam mais na mensagem cristã, mas apenas na convicção de que é agradável ser livre, que a opressão é desumana e que uma sociedade livre (com uma economia livre) é a forma certa de sociedade, distribuindo bens para muitos . Sua relação com o Cristianismo é tênue, pois eles “naturalmente” não gostam de dogmas, disciplina eclesiástica e autoridade, e também possuem inclinações deístas e agnósticas. No entanto, devemos ter cuidado para não generalizar em excesso. Gladstone, certamente um liberal, também era um cristão fervoroso. Ainda assim, os velhos liberais entraram em confronto com a Igreja Católica (bem como com as fés ortodoxa e reformadas) e foram formalmente condenados no Syllabus do Papa Pio XI. (Corretamente? Em geral, sim.) Os velhos liberais, lembrando os pré-liberais, tinham um forte interesse por economia. Não é preciso dizer que eles se opunham não apenas ao governo onipotente, mas também ao socialismo. (Os representantes da escola austríaca de economia eram velhos liberais e significativamente, com poucas exceções, nobres).
Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, os “velhos liberais”, unidos com os “novos liberais”, fundaram a Mont Pelerin Society na Suíça. Seus principais “cérebros” — Friedrich A. von Hayek, Ludwig von Mises e Wilhelm Röpke — queriam chamá-la de “Sociedade de Tocqueville-Acton”, contra o que o professor Frank Knight de Chicago protestou violentamente, opondo-se a nomear a Sociedade com o nome de “dois aristocratas católicos romanos". Por fim, passou a se chamar “Mont Pelerin Society”, em homenagem ao hotel onde ocorreu o primeiro encontro.
Os neoliberais foram amplamente inspirados pelos cristãos e seguiram o exemplo dos liberais iniciais. Assim, vemos a ligação da primeira onda com a terceira e da quarta com a segunda. Muitos dos neoliberais proeminentes eram alemães e austríacos que vivenciaram o Terceiro Reich e frequentemente enxergavam a importância de buscar valores eternos na mensagem cristã (F. A von Hayek também, tardiamente, percebeu a importância da religião na busca pela liberdade). A Mont Pelerin Society sofreu um cisma severo quando os neoliberais surgiram em 1961.
Nos Estados Unidos, pude observar a perversão do termo “liberal”, o que fez com que os verdadeiros liberais se intitulassem “libertários”. A grande e hospitaleira casa do liberalismo mantinha todas as janelas e portas abertas e, assim, os ventos de fora podiam invadir o edifício. Como bom liberal, é preciso ter a mente aberta, respeitar os “sinais dos tempos” — e estes, infelizmente, eram esquerdistas e coletivistas. Desse modo, os liberais confessos tornaram-se "iliberais". A “The American Mercury”, então gerenciada editorialmente por Eugene Lyons, publicou uma série de “Credos”: o "Credo de um Conservador”, o “Credo de um Reacionário”, o “Credo de um Socialista” e, em seguida, separadamente, o “Credo de um liberal à moda antiga” e o “Credo de um novo liberal”. É desnecessário dizer que este último estava inclinado para o socialismo e para o Estado onipotente. Quando falo na Ásia, na América do Sul, na África, na Austrália ou na Europa, não tenho dificuldade em me identificar como liberal. Nos Estados Unidos, onde expressões consagradas pelo tempo são tão facilmente confundidas, tenho que começar pelas explicações. Péssimo!
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