Sobre a virtude soviética da crueldade
A obra de três volumes escrita por Aleksandr Solzhenitsyn, O Arquipélago Gulag, a qual alguns consideram a obra-prima mais importante do século XX, possui o subtítulo: “Uma experiência em investigação literária”. Considere o quanto estranho isso pode soar. Nenhum ocidental chamaria essa obra de “literária”, temendo pôr em xeque seu valor documental. Literatura é uma coisa, verdade é outra, não é mesmo? Solzhenitsyn, porém, insiste que absolutamente tudo que nela está incluso é estritamente factual, o que ficou comprovado quando a União Soviética chegou ao fim e os arquivos foram abertos. Mas o que, então, é literário sobre o livro? Vale a pena destacar que a mais recente vencedora do prêmio Nobel de literatura da Rússia, Svetlana Alexievich, também produziu obras literárias puramente factuais. Com esses dois escritores, encontramos algo essencial à tradição russa.
Os russos reverenciam a literatura mais do que qualquer outro povo no mundo. Quando o romance de Tolstói, Anna Karenina, estava em série, Dostoiévski, em um comentário ao seu último capítulo, afirmou que “finalmente a existência do povo russo foi justificada”. É difícil imaginar franceses ou ingleses, muito menos americanos, sugerindo que sua existência exige alguma justificativa; mas, se o fizessem, certamente não apontariam para um romance. Mencionaríamos o iPhone? Não obstante, para os russos, o comentário de Dostoiévski parecia irretocável.
Leitura recomendada:
- O Arquipélago Gulag - Aleksandr Solzhenitsyn
- História Concisa da Rússia - Paul Bushkovitch
- O Livro Negro do Comunismo - Stéphane Courtois
Normalmente, assumimos que a literatura existe para retratar a vida, mas os russos costumam falar como se a vida existisse para fornecer matéria-prima à literatura. Os russos, é claro, destacam-se no balé, no xadrez, no teatro e na matemática. Eles inventaram a tabela periódica e a geometria não euclidiana. No entanto, para eles a literatura possui uma classe própria. A própria expressão “literatura russa” carrega uma aura sacramental. A analogia mais próxima pode ser a importância da Bíblia para os hebreus antigos, quando ainda era possível adicionar-lhe livros.
O “cânone”, termo originalmente aplicado a livros bíblicos oficiais, ainda carrega um significado sagrado para os russos, e mesmo os soviéticos não desafiavam a importância dos clássicos do século XIX. Qualquer um que ouse denigrir o maior poeta da Rússia, Alexander Pushkin, provavelmente será chamado, sem ironia, de blasfemador. Pensamos em Stalin como um assassino, mas ele lia manuscritos literários e às vezes decidia o que deveria ser publicado. Seu telefonema para Mikhail Bulgakov, que permitiu que o escritor politicamente suspeito continuasse trabalhando ativamente, alcançou um status mítico. O poeta Osip Mandelstam observou que só na Rússia a literatura é tão importante que se pode levar um tiro por causa de um poema.
Se os americanos querem a verdade sobre um período histórico, voltam-se para historiadores, não para romancistas. Mas, na Rússia, presume-se que os romancistas possuem um entendimento mais profundo. O “Guerra e Paz” de Tolstoi contradiz as evidências existentes, no entanto, há mais de um século, é a sua versão considerada a correta. A razão é que os grandes escritores, assim como os profetas, conseguem enxergar a essência das coisas. Assim, Solzhenitsyn comprometeu-se a alcançar um entendimento adequado da Revolução Russa, escrevendo uma série de romances sobre o assunto, intitulado “The Red Wheel” [A Roda Vermelha, em português]. O autor fez uso extensivo de documentos, como faria qualquer historiador, e sua representação de eventos históricos jamais contradiz os arquivos. Seus personagens fictícios são frequentemente baseados em pessoas reais e são sempre historicamente plausíveis. Do ponto de vista russo, ele expressou o que nem os melhores historiadores conseguiram: a verdade. Em sua opinião, a negação pós-moderna e relativista da verdade traiu completamente a tradição literária russa.
Solzhenitsyn afirmou em seu discurso no Prêmio Nobel: “Os escritores... podem vencer as mentiras! Na luta contra a mentira, a arte sempre venceu e sempre vencerá... Mentiras podem prevalecer contra muita coisa no mundo, mas não contra a arte... Uma palavra da verdade supera o mundo [segundo o provérbio russo]”. Proclamadas por um escritor que sobreviveu a sete anos de gulag, essas declarações não consistiam em mera retórica, como seriam se fossem proferidas por um escritor americano — isto é, se um escritor americano pudesse proferi-las com seriedade. Elas decorrem de uma tradição onde grandes escritores desfrutam de um acesso quase místico à verdade e possuem a enorme responsabilidade de usar seu dom para descobri-la e expressá-la.
Nikolai Dobrolyubov, discípulo de Nikolai Chernyshevsky, o mais influente crítico da Rússia no século XIX, justificou a interpretação "dos fenômenos da vida com base em uma produção literária", argumentando que os grandes escritores são, conscientemente ou não, os maiores sociólogos.
Não temos outra maneira de saber... o que está começando a permear e predominar na vida moral da sociedade, exceto na literatura... O autor-artista, embora não se preocupe em tirar conclusões gerais sobre o estado do pensamento e da moralidade pública, é sempre capaz de compreender suas características mais essenciais... Assim que se reconhece que um autor-artista possui talento, ou seja, a capacidade de sentir e descrever os fenômenos com verdade real, esse reconhecimento cria bases legítimas para tomar suas produções como base para a discussão da... época.
Certamente, um escritor não pode começar com uma tese; ele deve preferir usar sua sensibilidade literária para intuir o que está acontecendo, mesmo que não consiga entender suas implicações. É essa sensibilidade, e não qualquer habilidade técnica, que faz dele um grande escritor. Embora odiassem o radical Dobrolyubov, Dostoiévski e Tolstói certamente concordariam.
Ao assumir o papel de “escritor russo”, Solzhenitsyn estava, dessa forma, reivindicando um status menos comparável a “escritor americano” do que a "profeta hebreu". Um de seus personagens indaga: “Sempre não se entendeu que um escritor importante em nosso país... é uma espécie de segundo governo?”. Na Rússia, Boris Pasternak explicou: “Um livro é um pedaço quadrado de consciência quente e fumegante — e nada mais!”. Como consciência, a literatura exigia uma lealdade que transcende a todas as outras. Era a identidade, a nacionalidade. Quando perguntaram ao escritor Vladimir Korolenko sua nacionalidade, que era ucraniana, ele respondeu: “Minha terra natal é a literatura russa". Em seu discurso no Prêmio Nobel de 2015, Alexievich ecoou Korolenko ao reivindicar três terras natais: a Ucrânia, de sua mãe, a de seu pai, Bielorrússia, e “A grande cultura da Rússia, sem a qual eu não consigo imaginar-me”. Por cultura, ele quis dizer, acima de tudo, literatura.
Em princípio, a relação da literatura com a história, com a primeira tendo maior acesso à verdade, aplicava-se a todas as disciplinas relacionadas aos assuntos humanos. Chernyshevsky explicou:
Nos países em que a vida intelectual e social alcançou um alto nível de desenvolvimento, pode-se falar de uma “divisão do trabalho” entre os vários ramos da atividade intelectual. Apenas um desses ramos é conhecido por nós: a literatura. Por essa razão... a literatura desempenha um papel maior em nossa vida intelectual do que a literatura francesa, alemã e inglesa na vida intelectual de seus respectivos países, e tem uma responsabilidade maior que a literatura de qualquer outra nação. A Literatura russa... tem o dever direto de se interessar pelo tipo de assunto que passou para a competência especial de outros campos da atividade intelectual.
Chernyshevsky escrevia no momento em que as realizações russas em vários campos estavam apenas começando, mas sua visão de que a literatura deve “se interessar” por todas as áreas culturais explica por que os personagens dos romances russos se envolvem em longas discussões sobre todos os assuntos, desde a filosofia da linguagem até a filosofia da história, como no Doutor Zhivago de Pasternak, e desde a ética e a política à teologia e implicações da neurologia, como no Anna Karenina de Tolstói e nos Irmãos Karamázov de Dostoiévski.
Assim, pelas mesmas razões, as maiores obras do pensamento russo, além da própria literatura, geralmente assumem a forma de crítica literária. As notáveis contribuições de Mikhail Bakhtin para a filosofia, linguística, psicologia, estudos folclóricos e ética ocorrem em livros sobre Dostoiévski, Rabelais e a teoria do romance. Para entender a teologia russa e a filosofia existencial, é preciso ler Nicholas Berdyaev em Dostoiévski e Lev Shestov em Chekhov. As histórias intelectuais russas geralmente se concentram quase inteiramente em autores e críticos literários, como jamais aconteceria na Inglaterra, onde isso significaria ofuscar Isaac Newton, Thomas Hobbes, John Locke, Adam Smith e Charles Darwin.
Uma vez no Ocidente, leksandr Solzhenitsyn ficou compreensivelmente perplexo quando os ocidentais o protelaram pela sua seriedade moral, que para ele era essencial a qualquer autor significante. Eles não gostaram de “como eu me identifiquei com o que estava retratando. Atualmente, no Ocidente, quanto mais frio e distante o autor, e quanto mais uma obra literária se afasta da realidade, transformando-a em um jogo... mais alto o trabalho é estimado”. Ele pecava contra as normas literárias existentes e a “decência política”.
Os próprios intelectuais (no Ocidente) que já haviam defendido Solzhenitsyn o condenaram quando descobriram que ele não compartilhava algumas de suas opiniões. Eles não podiam aceitar a possibilidade de terem algo a aprender com um conjunto muito diferente de experiências. Não, não foi a sua experiência que foi excêntrica enquanto a daqueles refletia o modo como as coisas realmente são! Tolamente, esse sobrevivente dos campos de concentração comunistas mostrou-se “um inimigo do socialismo”. Solzhenitsyn lembra de um comentarista de TV canadense o qual “escreveu-me que eu presumia julgar a experiência do mundo do ponto de vista de minha própria experiência limitada no campo de concentração soviético. E como é verdade! Vida e morte, prisão e fome, o cultivo da alma apesar do cativeiro do corpo: quão limitado isso é comparado ao mundo brilhante dos partidos políticos, dos números de ontem na bolsa de valores, das diversões sem fim e das viagens exóticas ao exterior!”.
O que mais perturbou Solzhenitsyn foi uma “surpreendente uniformidade de opinião” no sentido de que a vida era sobre a felicidade individual — o que mais poderia ser? — e que de alguma forma era indelicado referir-se ao “mal” sem ironia. Para mais, Solzhenitsyn ligou ainda essa trivialização da existência humana à “noção de que o homem é o centro de tudo que existe e de que não há Poder Superior acima dele. E essas raízes do humanismo irreligioso são comuns ao mundo ocidental atual e ao comunismo, e foi isso que levou a intelligentsia ocidental a uma simpatia tão forte e obstinada pelo comunismo”. Depois do gulag, essa simpatia ostensivamente sofisticada parecia, na melhor das hipóteses, a mais desesperada ingenuidade.
Mas o próprio Solzhenitsyn não era ateu e comunista? De fato ele era, e o Arquipélago Gulag narra como, de pouco a pouco, ele mudou sua visão de vida. O livro não é apenas uma história, mas também uma autobiografia, e como a experiência de Solzhenitsyn foi compartilhada por muitos outros, o Gulag se oferece como uma autobiografia coletiva. Eu fui preso assim; aqui estão as maneiras pelas quais outros foram presos. Sofri esse interrogatório brutal; outros foram submetidos a outros tipos de tortura. Ao examinarmos o progresso das almas em condições extremas, uma história — ou melhor, um conjunto de histórias intimamente relacionadas — se desdobra, e essas narrativas de suspense geram considerável interesse dramático. Uma maneira de o livro funcionar como literatura é como uma espécie de enciclopédia de possíveis romances.
Stalin observou pontualmente: uma morte é uma tragédia, um milhão de mortes é uma estatística. A literatura existe para nos fazer imaginar um milhão de tragédias.
Para todos os prisioneiros, a primeira descoberta foi de um mal sem precedentes, um mal que nunca poderiam ter imaginado, da forma mais pura possível. Uma das maneiras pelas quais Solzhenitsyn transmite esse mal é comparando-o com supostas personificações anteriores, especialmente o regime czarista, que, em todo o mundo ocidental, era considerado o símbolo da pura opressão. Solzhenitsyn reflete: De 1876 a 1904, um período em que terroristas russos mataram muitas autoridades, incluindo o czar Alexandre II, o regime executou 486 pessoas, ou 17 por ano. De 1905 a 1908 — incluindo o período da revolução de 1905 — as execuções subiram rapidamente para 2.200, ou 45 por mês, antes de interromperem abruptamente. Embora os terroristas naqueles anos matassem mais oficiais czaristas do que isso, essa brutalidade “surpreendeu a imaginação russa, provocando lágrimas de Tolstói e indignação de Korolenko”. Evidentemente, entre 1917 e a morte de Stalin, em 1953, 2.200 era aproximadamente o número de pessoas mortas em um dia normal.
Solzhenitsyn cita com frequência as memórias do revolucionário R. V. Ivanov-Razumnk, que comparou suas prisões sob czares e soviéticos. Sob os czares, o interrogatório nunca envolvia tortura, enquanto sob os soviéticos era rotina. Os czares nunca pensaram em prender parentes de criminosos: Lenin permaneceu livre e foi aceito no ensino superior, embora seu irmão tivesse sido enforcado por causa de seu papel em uma conspiração para assassinar o czar Alexandre III. Os soviéticos construíram acampamentos para “as esposas dos acusados” e “membros da família de um traidor da pátria” tornou-se uma categoria criminosa. Em alguns períodos, os filhos desses traidores foram colocados em orfanatos, onde a maioria morreu, enquanto em outros foram simplesmente executados. Os czares nunca realizaram prisões aleatoriamente, mas Stalin emitiu cotas para cada distrito, e Lenin pediu explicitamente a execução arbitrária de pessoas inocentes, já que matar os inocentes, explicou, criaria uma população aterrorizada e, portanto, submissa.
O comentário de Solzhenitsyn sobre “as lágrimas de Tolstói” exibe a ironia peculiar com a qual o Gulag é narrado. De fato, o parente literário mais próximo do livro é provavelmente O Declínio e a Queda do Império Romano, de Gibbon, que também é uma obra-prima da história como ironia. Mas mesmo Gibbon nunca produziu passagens tão selvagens como esta:
Se os intelectuais nas peças de Chekhov, que passavam todo seu tempo adivinhando o que aconteceria em vinte, trinta ou quarenta anos, soubessem que em quarenta anos o interrogatório mediante tortura seria praticado na Rússia; que prisioneiros teriam seus crânios esmagados em anéis de ferro; que um ser humano seria derretido em um banho de ácido; que seriam amarrados nus para serem picados por formigas e percevejos; que uma vara aquecida em um fogareiro Primus seria empurrada pelo seu canal anal (a “marca secreta”); que os órgãos genitais de um homem seriam esmagados lentamente sob a ponta de uma bota; e que, nas melhores circunstâncias possíveis, os prisioneiros seriam torturados sendo privados de dormir por uma semana, e pela sede, e sendo espancados até virarem uma polpa sangrenta, nenhuma das peças de Chekhov teria chegado ao fim, pois todos os heróis acabariam internados em manicômios.
Que tipo de pessoas eram esses interrogadores e quem os orientava? O que passava pelas suas mentes? Para entender o mal, é preciso sondar as almas dos malfeitores, e a história russa oferece amplo material. Essa questão surge com frequência em um gênero literário inventado pelos russos, o romance de campo de concentração, começando pelas notas angustiantes de Dostoiévski em Memórias da Casa dos Mortos (1860-1862). Mas, até mesmo essa experiência parece agradável em comparação com os campos de trabalho escravo de Stalin. A experiência soviética sem precedentes levou os memoristas a questionarem como as pessoas poderiam fazer essas coisas, embora os nazistas, maoístas, Khmer Rouge e outros regimes totalitários que se seguiram as fizessem novamente.
Comparados aos interrogadores soviéticos, observa Solzhenitsyn, os vilões de Shakespeare, Schiller e Dickens parecem “um tanto ridículos e desajeitados para a nossa percepção contemporânea". O problema é que esses vilões se reconhecem como maus e dizem a si mesmos “Eu não posso viver a menos que faça o mal”. Mas Solzhenitsyn explica que não é assim que as coisas são: “Para fazer o mal, um ser humano deve, em primeiro lugar, acreditar que o que está fazendo é bom, ou que é um ato considerado em conformidade com a lei natural... é da natureza de um ser humano buscar uma justificativa para suas ações”.
Por que, pergunta Solzhenitsyn, Macbeth, Iago e outros malfeitores shakespearianos pararam em uma dúzia de cadáveres, enquanto Lenin e Stalin fizeram milhões? A resposta é que Macbeth e Iago “não tinham ideologia”. A ideologia faz do assassino e torturador um agente do bem, “para que ele não ouça censuras e maldições, mas receba elogios e honras”. A ideologia nunca alcançou tal poder e escala antes do século XX.
Qualquer um pode sucumbir à ideologia. É preciso tão somente um sentimento de superioridade moral por se estar do lado certo; uma teoria que pretenda explicar tudo; e — isso é crucial — uma recusa fundamental em ver as coisas do ponto de vista dos adversários ou das vítimas, para não ser infectado pela sua perspectiva maligna.
Se lembrarmos que totalitários e terroristas consideram-se guerreiros da justiça, podemos imaginar como pessoas boas podem se juntar a eles. Lev Kopelev, representado pelo personagem de Solzhenitsyn, Rubin, descreve como, quando jovem, ele foi para o interior com o objetivo de ajudar a reforçar a coletivização da agricultura. A política bolchevique incluía a fome forçada de vários milhões de camponeses, e Kopelev descreve como conseguiu tirar pedaços de comida “de mulheres e crianças com barrigas distendidas, ficando azuis, ainda respirando, mas com olhos vagos e sem vida", na ardente convicção de que estava construindo o socialismo. Outras memórias desse período também descrevem como um comunista leal finalmente despertava para o que fazia. Dessa forma, a experiência soviética inspirou um renascimento da literatura de conversão, e o Gulag de Solzhenitsyn, no qual detalha sua própria transformação de bolchevique para cristão, é um excelente exemplo.
Cada livro de memórias de conversão relata que a mudança era imensamente difícil. Por um lado, como o romance O Zero e o Infinito (1941) de Arthur Koestler bem observou, o Partido era o objetivo de vida e constituía toda a família. Desafiá-lo era tão impensável quanto renunciar simultaneamente à educação e a todos os amigos e parentes. Por outro lado, ensinava-se que a teoria marxista era uma ciência difícil e, portanto, rejeitá-la era como negar a evolução. Essa ciência provava que o sacrifício humano era tão inevitável para salvar a humanidade quanto o corte cirúrgico é para uma cirurgia. Para construir o comunismo a inúmeras gerações futuras de pessoas perfeitas, o sacrifício dos poucos homens relativamente imperfeitos do presente era um pequeno preço a pagar. Aliás, comparado ao futuro infinito, todo ser vivente seria um número trivial. De qualquer forma, como se costumava formular, as mortes eram causadas não por nós, mas pela História.
Além disso, as pessoas mortas eram inimigas de classe, o que significava que, mesmo que não tivessem cometido crimes contrarrevolucionários, eram criminosos em potencial. Vasily Grossman, o primeiro escritor importante a relatar o Holocausto quando o viu se desenrolar no território soviético ocupado pelos nazistas, não foi o único a destacar que o equivalente exato da categoria nazista de “raça” era a categoria soviética de “classe”. A classe social, como a raça, era herdada, não escolhida, e não podia ser alterada. No jornal Red Terror, Feliks Dzerzhinsky, fundador da polícia secreta soviética, explicou em 1918:
Não estamos lutando contra indivíduos. Estamos exterminando a burguesia como uma classe. Não é necessário, durante o interrogatório, procurar evidências que comprovem que os acusados se opuseram aos soviéticos por palavra ou ação. A primeira pergunta que você deve fazer é a que classe ele pertence, qual é sua origem, sua educação e sua profissão. Estas são as perguntas que determinarão o destino do acusado. Tal é o sentido e a essência do terror vermelho.
Ou, como observa um dos personagens de Grossman, “o conceito de inocência é uma ressaca da Idade Média”.
Solzhenitsyn relata como foi mera sorte ele não ter se tornado supremamente mau. Concluindo os estudos, ele e seus colegas de classe tiveram a oportunidade de fazer algo mais nobre que a Física, um trabalho de grande importância moral que também implicava prestígio social e recompensa material: podiam frequentar a escola de treinamento da NKVD[1]. Esses alunos foram educados a considerar a NKVD uma organização supremamente moral. Percebendo o quão perto ele estava de se tornar um interrogador, Solzhenitsyn reflete: “E para não sairmos ostentando com orgulho o manto branco dos justos, que todos se perguntem: 'Se minha vida tivesse sido diferente, poderia eu, por mim mesmo, não me ter tornado apenas um carrasco?' É uma pergunta medonha se respondida honestamente”.
Solzhenitsyn recusou essa oferta ambiciosa por alguma intuição interna “não fundamentada em argumentos racionais... Certamente não provém das palestras que ouvimos sobre materialismo histórico: ficou claro que a luta contra o inimigo interno era uma frente de batalha crucial, da qual participar era uma tarefa honrosa... Não foram nossas mentes que resistiram, mas algo dentro de nossos peitos. As pessoas podem gritar a você de todos os lados: ‘Você deve!’, mas dentro do seu peito há uma sensação de repulsa e repúdio. Eu não quero. Isso me faz sentir mal. Faça o que quiser comigo. Não quero fazer parte disso”. “E, no entanto”, ele reflete, “alguns de nós se juntaram, e, se pressão suficiente tivesse sido aplicada, talvez todos nós o fizéssemos”. Nesse caso, “o que eu teria me tornado?”. A passagem a seguir é uma das mais famosas do livro:
Então, deixe o leitor que espera que este livro seja uma exposição política feche suas capas agora mesmo.
Se ao menos tudo fosse tão simples! Se ao menos houvesse pessoas más em algum lugar cometendo insidiosamente atos maus, e fosse necessário apenas separá-las do resto de nós e destruí-las. Mas a linha que divide o bem e o mal atravessa o coração de todo ser humano. E quem está disposto a destruir um pedaço de seu próprio coração?... Do bem para o mal é uma colcheia, diz o provérbio [russo]. E, correspondentemente, do mal para o bem.
A visão contrária, defendida por ideólogos e justiceiros em geral, é que nosso grupo é bom e o deles é mau. “Pessoas más cometendo más ações”: esse é o tipo de pensamento por trás de noções como luta de classes ou a conspiração sionista internacional. É a ideia oposta que torna possível a tolerância e a democracia: a ideia de que existe uma diferença legítima de opinião e que não devemos agir como se Deus ou a História tivessem abençoado nosso lado como sempre correto. Se você pensa assim, não há razão para não ter um Estado de um só partido. O homem que me ensinou história russa, o falecido Firuz Kazemzadeh, costumava dizer: lembre-se, sempre há tantos porcos de um lado seu quanto do outro.
Um coração não é simplesmente bom ou mau. Um coração às vezes “é comprimido pelo mal exuberante; e às vezes, dilata-se para permitir que o bem floresça. Um e o mesmo ser humano está, em várias fases, sob várias circunstâncias... perto de ser um demônio, outras vezes de um santo”. Nunca estamos mais perto do mal do que quando pensamos que a linha entre o bem e o mal transpassa grupos de pessoas em vez de cada coração humano.
E por que fazer as pessoas confessarem crimes absurdos que os interrogadores sabiam não passarem de invenções? Além dos poucos que confessaram durante os julgamentos, nenhuma dessas confissões extraídas seria divulgada. Pense na mão de obra e no custo pago sem propósitos evidentes. A questão intrigou muitos estudiosos.
Considere o capítulo de Solzhenitsyn sobre como os prisioneiros eram transportados para os campos de concentração. Normalmente, eram transportados em caminhões boiadeiros — sem aquecimento no inverno, sem ventilação no verão — carregados o mais densamente possível, o que significava que, às vezes, havia tão pouco espaço que alguns prisioneiros amontoavam-se entre os outros sem que suas pernas alcançassem o chão. Eram mal alimentados - ou alimentados com arenque salgado, e não recebiam água. Alguns dias não eram alimentados. Logo os prisioneiros “começavam a morrer — e os guardas puxavam os cadáveres debaixo de seus pés. (Não imediatamente, é verdade, apenas no segundo dia). Assim, uma viagem de Moscou a Petropavlovsk levava três semanas”.
Com sua ironia de marca registrada, Solzhenitsyn repete que nada disso foi feito para torturar os prisioneiros! O que ele quer dizer, em seguida entendemos, é que esse tratamento era tão rotineiro que não contava como tortura. Por que tratar pessoas assim? Se o objetivo era matá-los, era muito mais fácil matá-los imediatamente, como, de fato, ocorreu para milhões. Se o objetivo era fornecer mão de obra para os campos de trabalho escravo, como sugeriu Anne Applebaum, por que deixar tantos trabalhadores morrerem no caminho?
Para responder a essa pergunta, é preciso primeiro entender a ética bolchevique. Até onde eu sei, ela não tem precedentes na história do mundo.
A ética bolchevique começou e terminou explicitamente com o ateísmo. Somente alguém que rejeitasse todos os costumes religiosos ou quase religiosos poderia ser bolchevique pois, como Lenin, Trotsky, Stalin e outros líderes bolcheviques insistiam, o único parâmetro de certo e errado era o sucesso do Partido. A burguesia afirma falsamente que não temos ética, explicou Lenin em um discurso de 1920. Mas o que rejeitamos é qualquer ética baseada nos mandamentos de Deus ou algo semelhante a eles, como princípios abstratos, valores atemporais, direitos humanos universais ou qualquer princípio do idealismo filosófico. Para um verdadeiro materialista, afirmou Lenin, não pode haver um imperativo categórico kantiano para considerar os outros somente como fins, não como meios. Da mesma forma, o materialista não reconhece a suposta santidade da vida humana. Todas essas noções, insistiu Lenin, são “baseadas em conceitos extra-humanos e de extraclasse” e, portanto, são simplesmente religião disfarçada. “É por isso que dizemos que para nós não existe uma moralidade que esteja fora da sociedade humana; isto é uma fraude. Para nós, a moral está subordinada aos interesses da luta de classes do proletariado”, o que significa ao Partido. Aron Solts, conhecido como “a consciência do Partido”, explicou: “Nós... podemos dizer aberta e francamente: sim, mantemos na prisão aqueles que interferem no estabelecimento de nossa ordem, e não paramos diante de outras ações desse tipo porque não acreditamos na existência de ações abstratas antiéticas”.
Até recentemente, eu supunha que tais declarações significavam que, se for necessário matar pessoas, é permitido fazê-lo. Era isso que o anarquista Peter Kropotkin sustentava, mas os bolcheviques enxergavam essa formulação como puro sentimentalismo. O modo de pensar de Kropotkin sugere que os revolucionários devem cumprir um ônus da prova para superar a lei moral contra a morte: não mais mortes do que o necessário. Para os bolcheviques, todavia, não havia tal lei moral. O único critério moral eram os interesses do Partido, e assim eles treinaram os seguidores para superar sua compaixão instintiva. A relutância em matar refletia uma crença essencialmente religiosa (ou “humanista abstrata”) na santidade da vida humana.
Em resumo, em condições de igualdade, meios violentos eram preferíveis. Misericórdia, bondade, compaixão: essas eram todas emoções antibolcheviques, e as crianças em idade escolar foram ensinadas a rejeitá-las. Não conheço nenhuma sociedade precedente onde crianças foram ensinadas que compaixão e piedade são vícios.
Faça aos inimigos de classe o que você não gostaria que eles fizessem a você. Por isso, a partir de meados de 1937, a tortura tornou-se obrigatória. Que objeção poderia ser levantada? Era positivamente bom prender os inocentes. Quando Stalin lançou metas para prisão, as agências locais da NKVD buscaram prender ainda mais.
Kopelev aceitou que a hesitação em matar demonstrava “delicadeza intelectual” e “liberalismo estúpido”. Em suas memórias Hope Against Hope [Esperança Contra Esperança], Mandelstam reflete que "a palavra 'consciência'... fora do uso ordinário — não era comum em jornais, livros ou nas escolas, desde que sua função havia sido substituída... pelo 'sentimento de classe'. 'Bondade' tornou-se algo para se envergonhar, e seus expoentes estavam tão extintos quanto o mamute”. Palavras positivas agora incluíam “impiedoso” e “cruel”. Um bom bolchevique espionava seus amigos e as crianças eram ensinadas a denunciar seus próprios pais. Um palestrante no Congresso do Partido em 1925, realizado um ano após a morte de Lenin, lembrou: “Lenin costumava nos ensinar que todo membro do Partido deveria ser um agente da Cheka — ou seja, ele deveria observar e informar... Se sofremos por uma coisa, então é porque não informamos o bastante”.
Buscamos uma explicação para aqueles caminhões boiadeiros de prisioneiros, mas agora deve estar claro que não é a crueldade que exige explicação, mas o oposto. Questionar o motivo da crueldade é fazer a pergunta errada. As pessoas às vezes questionam o motivo da escravidão, mas como a escravidão foi praticada em toda parte durante a maior parte da história da humanidade, a pergunta certa é a oposta: por que a escravidão foi abolida em muitos lugares? No contexto bolchevique, é a misericórdia e a compaixão que requerem explicação.
É de admirar que muitos russos tenham começado a aceitar padrões absolutos de certo e errado? Essa foi a grande conversão. Eles descobriram o que Solzhenitsyn chama de “consciência” (sovest'), que quer dizer a convicção de que o bem e o mal são uma coisa e a eficácia é outra. Kopelev, Solzhenitsyn e outros descrevem o evento chave de sua vida como a descoberta de que, assim como o universo contém leis causais, ele também contém leis morais. O horror bolchevique decorria da visão oposta: de que não há nada inexplicável em termos materialistas, e que o único padrão moral é o sucesso político.
Em seu célebre livro de memórias Into the Whirlwind (1967), Evgeniya Ginzburg descreve como seu interrogador da NKVD a aliciou para implicar outra pessoa que, segundo ele, já a havia denunciado. “Isso é entre ele e sua consciência”, ela rebateu, apelando assim para uma norma moral independente das consequências. “O que você é, uma cristã ou algo assim?”, Respondeu o interrogador. “Apenas honesta”, disse ela, uma resposta que o levou a dar “uma aula sobre a visão marxista-leninista da ética. 'Honesto' significava útil para o proletariado e para o Estado”. Como uma boa leninista, ela deveria concordar. Ela invocou fundamentos que um cristão, mas não um ateu comprometido, aceitaria.
Gleb Nerzhin, o herói autobiográfico do romance de Solzhenitsyn, In The First Circle, declara: “Uma ordem moral objetiva é construída no universo”. Um amigo concorda: “Devemos escrever o bem e o mal não apenas com letras maiúsculas, mas com letras de cinco andares!”.
Muitos, incluindo Solzhenitsyn, deram o próximo passo e aceitaram Deus. Por que não conservar-se um ateu que acredita em uma lei moral absoluta? Aqui, novamente, precisamos entender o poder da literatura russa de moldar o pensamento, particularmente a especialidade russa, a grande ficção realista das ideias. Os grandes romances testam as ideias não por sua coerência lógica, como na filosofia acadêmica, mas pelas consequências de se acreditar nelas. Romances de ideias — sejam de George Eliot ou Tolstói, Joseph Conrad ou Dostoiévski, Henry James ou Turgenev — exibem um plano-mestre: um herói ou heroína dedicada a uma ideia descobre que a realidade é muito mais complexa do que a ideia permite. Por exemplo, um materialista acredita que o amor nada mais é do que fisiologia e que indivíduos não se diferem mais do que sapos, mas ele se apaixona profundamente por uma mulher em particular (a trama em Pais e Filhos de Turgenev). Um moralista afirma que apenas ações, e não desejos, possuem valor moral, mas acaba consumido pela culpa de um assassinato que ele cometeu movido apenas pelo seu desejo (a trama em Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski). Para Innokenty Volodin, o herói epicurista em In The First Circle, a experiência da prisão mostra as limitações das ideias de seu filósofo favorito. Epicuro, o grande materialista do mundo antigo, havia dito: “’Não se deve temer o sofrimento físico. O sofrimento prolongado é sempre insignificante; o sofrimento significante é de curta duração’. Mas, e se você for privado de sono por vários dias em uma caixa sem ar? Que tal dez anos de confinamento solitário em uma cela onde você não consegue esticar as pernas? Isso é significante ou insignificante?”.
Volodin relembra as palavras de Epicuro: “Nossos sentimentos interiores de satisfação e insatisfação são os critérios mais elevados de bem e mal”, e só agora ele os entende. “Agora ficou claro: tudo que me dá prazer é bom; o que me desagrada é ruim. Stalin, por exemplo, apreciava matar pessoas – então isso, para ele, era bom?
Quão sábia essa filosofia parece para uma pessoa livre! Mas, para Volodin, o bem e o mal são agora entidades distintas. “Sua luta e sofrimento o haviam elevado a tal altura que a sabedoria do grande materialista soava como a tagarelice de uma criança.”
Pensando de uma forma novelística, Solzhenitsyn pergunta: quão bem a moralidade sem Deus passa no teste da experiência soviética? Cada prisioneiro do campo, mais cedo ou mais tarde, enfrentou uma escolha: deve-se ou não sobreviver a qualquer preço? Você toma a comida ou os sapatos de um prisioneiro mais fraco? “Esta é a grande bifurcação da vida no campo. A partir deste ponto, as estradas vão para a direita ou para a esquerda... Se você for para a direita, perderá a vida; e se for para a esquerda, perderá a consciência”. Memoristas após memoristas, incluindo ateus como Evgeniya Ginzburg, relatam que aqueles que negaram qualquer coisa além do mundo material foram os primeiros a escolher a sobrevivência. Eles podem ter insistido que altos ideais morais não exigem acreditar em Deus, mas, no final, a moral se baseia em nada além da própria convicção e raciocínio, os quais, por mais convincentes que sejam, provam-se lamentavelmente insuficientes sob uma pressão, em vez de lógica, experimental. Nos Kolyma Tales de Shalamov — considero essas histórias, que se tornaram conhecidas no final dos anos 1960, as maiores desde Chekhov —, um narrador observa: “O intelectual se torna um covarde e seu próprio cérebro fornece uma 'justificativa' para suas ações. Ele pode se convencer de qualquer coisa” conforme necessário.
Entre os memoristas do Gulag, até os ateus reconhecem que as únicas pessoas que não sucumbiram moralmente foram os crentes. Qual religião eles professavam não parecia importar. Ginzburg descreve como um grupo de crentes semialfabetizados recusou-se a sair para trabalhar no domingo de Páscoa. No frio da Sibéria, eles foram obrigados a ficar descalços em um lago coberto de gelo, onde continuaram a cantar suas orações. Mais tarde naquela noite, o resto de nós discutiu sobre o comportamento dos crentes. “Isso foi fanatismo ou um escudo para os direitos da consciência? Devíamos admirá-los ou considerá-los loucos? E, o mais preocupante de tudo, deveríamos ter tido a coragem de agir como eles agiram?”. O reconhecimento de que nem sempre isso transformaria as pessoas em crentes.
Lido como autobiografia, o momento chave do Gulag pode ser a conversa de Solzhenitsyn com “um jovem pálido e amarelado, com uma ternura judaica no rosto", chamado Boris Gammerov. Solzhenitsyn mencionou uma oração do Presidente Roosevelt e “expressou o que me pareceu uma avaliação evidente: 'Bem, isso é hipocrisia, é claro'”. Gammerov respondeu: “Por que você não admite a possibilidade de um líder político poder sinceramente acreditar em Deus?”.
A grande verdade se revelou: inesperadamente, surpreendentemente, essa história angustiante de caminhões boiadeiros e marca secreta tem um final redentor. Uma pessoa — não um herói, apenas uma pessoa imperfeita — encontra a fé. Todos foram doutrinados com o slogan de que, em um mundo material onde nada além das leis da natureza existe, “o resultado é tudo o que importa”. Mas a experiência no campo ensinou que isso era uma mentira. “Não é o resultado que conta... mas o espírito!”. Depois que você percebe isso, “a prisão começa a transformar seu personagem de uma maneira surpreendente”. Você começa a apreciar a amizade de maneira diferente. Reconhecendo sua própria fraqueza, você entende a fraqueza dos outros. No momento em que outro prisioneiro relata como se tornou cristão, Solzhenitsyn reconhece que, quando tinha certeza de que estava fazendo o bem, estava, na verdade, fazendo o mal. Ele compreende “as verdades de todas as religiões do mundo: elas lutam contra o mal dentro de um ser humano (todo ser humano)”. Ele reflete sobre a prisão e sobre a literatura:
Leo Tolstói estava certo quando sonhava em ser preso... Eu servi tempo o suficiente lá. Lá alimentei minha alma e digo sem hesitar:
Abençôo-te, prisão, por ter estado em minha vida!
Leitura recomendada:
- O Arquipélago Gulag - Aleksandr Solzhenitsyn
- História Concisa da Rússia - Paul Bushkovitch
- O Livro Negro do Comunismo - Stéphane Courtois
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