O que é o medo e como superá-lo

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Por Valéria Campelo
23 de janeiro de 2024

Sobre o medo - Parte III

Vimos, anteriormente, duas diferentes perspectivas sobre o medo. Explicamos, na primeira parte desta reflexão, a relação entre o medo e a angústia em Heidegger, e aprendemos que um dos objetivos, senão o principal objetivo do medo, é nos conduzir à ação, isto é, impelir-nos a buscar e enfrentar o desconhecido. De outro lado, vimos em Pascal que a angústia, muitas vezes refletida em nossos medos, decorre do afastamento entre o homem e o divino e a sua consequente busca pelo divertissement. Distante de Deus, o homem se torna indiferente à sua alma — a qual, por natureza, é imortal — temendo as coisas menos importantes e sendo indiferente às principais.

Deixando um pouco de lado nossa abordagem dialética sobre o assunto, nos concentraremos agora numa perspectiva mais psicológica e prática sobre os medos irracionais e como superá-los. Para tanto, nos inspiraremos nas lições trazidas pelo psiquiatra e sacerdote Narciso Irala em sua obra Controle Cerebral e Emocional, que compõe os Prolegômenos da nossa Lista de Leitura de Filosofia para Iniciantes e Interessados.

Narciso Irala utiliza a palavra “temor” para se referir ao medo, e começa sua exposição diferenciando os temores razoáveis dos temores irrazoáveis ou exagerados. Aqueles, diz o autor, existem para evitar os perigos reais, e são, por natureza, bons. O medo se dá quando os obstáculos se nos apresentam insuperáveis e, descartando-nos da luta, tratamos de fugir daquele perigo ou de evitá-lo.

Para o autor, no entanto, o homem, em sua vivência, pode ter impressões fortes ou multiplicadas de terror, às vezes através da exposição a conversas, ao cinema, à literatura, aos romances, enfim, estímulos da imaginação, que vão deixando na subconsciência, na forma de resíduos ou sedimentação, a tendência à insegurança ou sentimento de temor.

O temor é a emoção mais difícil de controlar, porque, com frequência, não sabemos o que tememos ou por que tememos, como na angústia, nas fobias ou temores infundados. Sua motivação costuma ser inconsciente, ou se transferiu da causa real para algum dos concomitantes; ou, reprimindo inconscientemente a reação natural que feriria nosso orgulho, lhe demos saída nesses medos simbólicos que reconhecemos infundados, mas que não sabemos dominar.

A superação do medo, nesses casos, depende da exploração mais profunda do subconsciente, das origens da anormalidade e das circunstâncias que a acompanharam.

Tomaremos, num instante, a palavra do autor, e traremos o discurso para o nível da experiência, imergindo, mais uma vez, em nossa própria vivência. Dias atrás, compartilhei em meu espaço pessoal que a origem do meu medo de tubarões coincidiu com um momento em família específico, onde me vi, pela primeira vez, diante de sentimentos até então desconhecidos: pertencimento, acolhimento, perdão e saudade.

Tendo crescido em meio a um drama familiar um tanto problemático, acompanhada daquela constante sensação de "estranhamento" própria da angústia, um belo dia decidi me afastar para mais de 1600km da minha família. A distância física, surpreendentemente, permitiu aproximar-me como nunca dos meus familiares, no sentido de dedicar a mim mesma, a eles e a toda nossa história um olhar compreensivo e compassivo que jamais havia dedicado. E então, quando, anos depois, nos reencontramos, todos juntos, tudo parecia diferente, tanto “por dentro” quanto “por fora”.

A despedida, dessa vez, trouxe-me, tanto em forma como em intensidade, a dor da falta que eu nunca havia experimentado. Lidar com o desconhecido, não saber "o que é" e "como superar”, é justamente aquilo que nos traz insegurança. A angústia é um não saber como, não saber onde e nem por quê, que nos deixa inevitavelmente vulneráveis. E vulnerável foi exatamente como fiquei a partir de então.

Acontece que a praia, o mar, o litoral, foram justamente o pano de fundo daquele nosso momento em família. Após a despedida, visitar a praia e os lugares que frequentamos me trazia esse sentimento desconhecido de angústia, esse "não sei o quê", que estava em todo lugar e eu não podia definir e compreender. Nesse intervalo, um ataque de tubarão ocorreu num estado vizinho, ferindo gravemente uma criancinha. A mídia explorou bastante esse episódio por um tempo e, dado o meu natural interesse pela vida marinha, acompanhei de perto as notícias.

Após imergir profundamente em minha própria experiência, tudo fez um sentido tão claro, que, hoje, me pergunto: levando em conta as minhas circunstâncias, tinha como não ter desenvolvido esse medo irracional de tubarões? Talvez, se tivesse sido eu a viajar para reencontrá-los, o meu medo teria sido de aviões; ou, se tivéssemos nos reunido no campo, as cobras, os sapos, aranhas ou qualquer animal relacionado àquele ambiente seria transfigurado em um medo simbólico.

Dramas familiares constantemente carregam traumas e questões da infância mal resolvidas, que implicam na vida adulta muito mais do que imaginamos. Os avanços da psicologia, mais especificamente da psicanálise, entram aqui como ferramentas muito úteis à superação dos nossos problemas. Infelizmente, no entanto, a invasão da ideologia na formação acadêmica dos psicólogos proporciona a muitas pessoas, como já proporcionou a mim, experiências ruins e prejudiciais com profissionais dessa área e a tão estimada terapia.

Buscando alternativas a essa realidade, passei a buscar na literatura um auxílio. E assim cheguei a essa interessante obra que compartilhamos com nossos leitores.

Após nos livrarmos da obscuridade, ou seja, ao tornarmos consciente nosso medo inconsciente, Narciso Irala nos recomenda seguir os seguintes passos: agir sobre o temor; concretizá-lo; refletir sobre ele; enfrentá-lo; evitar os excitantes; opor-lhe ideias contrárias; opor-lhe sentimentos contrários; e, por fim, associar as vivências de segurança às que antes nos produziam temor.

É claro que não vamos destrinchar cada um desses passos e poupar o nosso leitor da experiência indispensável com a leitura completa da obra do autor, o qual se dedica, ainda, a comentar sobre tipos específicos de medos, como a obsessão do escrúpulo (quando alguém, fora de casa, se angustia com a dúvida se apagou ou não a luz, por exemplo, ou costuma recair com frequência sobre assuntos morais e religiosos), o sentimento de inferioridade (timidez) e a eritrofobia.

Para além dos temores, a obra nos oferece reflexões e técnicas sobre a felicidade, a educação da vontade, a reeducação da consciência, a concentração, a tristeza e até mesmo a problemas como cansaço e insônia, cujos conselhos são de inestimável utilidade ao estudante iniciante ou nem tão iniciante assim. Melhor ainda, se lida em conjunto com as obras propostas nos Prolegômenos da nossa lista de Filosofia.

Leia mais:

O Medo e a Angústia em Heidegger

O medo e a antecipação da morte em Pascal

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Valéria Campelo

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão. Redatora, tradutora, advogada e "ademira" do CoA.


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