O Ordenamento das Leituras

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Por Contra os Acadêmicos 27 de novembro de 2023

O guia definitivo das listas de leitura


Um homem que, no meio de uma multidão de livros, não segue um método e uma ordem de leitura, estaria como um andarilho sem rumo na densidão da floresta, perdendo o caminho do itinerário reto, corroborando a escritura: “ainda sempre estudando, nunca alcança o saber".

Hugo de São Vitor


Sabemos que, no exercício da atividade intelectual, há pessoas que praticam o estudo com disposição natural e outras que precisam se esforçar muito para torná-lo um hábito. Entre um grupo e outro, há aqueles que receberam desde a infância o incentivo adequado e aqueles que receberam pouca ou nenhuma educação verdadeira por toda a vida. 

Por “educação verdadeira” referimo-nos àquela cuja determinação do valor do estudo ultrapassa a mera utilidade prática, como obter um bom cargo e uma boa fonte de renda; aquela que enxerga o homem como um fim em si mesmo e cuja finalidade última é alcançar o bem maior para os seres humanos, a saber, a virtude ou perfeição do intelecto. Assim, assumimos que o homem que se educa nada busca fora de si, e todos os seus desejos estão subordinados ao seu desejo supremo pela verdade e pelo bem.

Dito isso, podemos afirmar, sem medo de errar, que a maioria dos brasileiros recebeu pouco ou nenhum estímulo verdadeiro para o estudo desde a infância. Por isso, é perfeitamente possível que um profissional dotado de um currículo invejável, ao menor confronto com uma leitura básica de filosofia, sinta-se como se nunca antes tivesse estudado. Isso ocorre porque o ensino escolar e universitário no Brasil não visa de fato educar. Ele assume como objetivo a formação de bons profissionais, mas tem como resultado a formação de muitos adultos disfuncionais e intelectualmente estéreis.

Após anos de importação do “método” socioconstrutivista de ensino-aprendizagem para o nosso sistema de ensino, tornou-se muito difícil para um aluno brasileiro desenvolver as habilidades da leitura e escrita, a sua linguagem e a sua própria personalidade. A missão suprema do sistema socioconstrutivista — que nada tem a ver com método de ensino — prima por ensinar os alunos a “pensarem criticamente” antes mesmo de saberem diferenciar letras de sílabas.

Nossas listas, por sua vez, foram pensadas para oferecer um caminho possível àqueles que reconhecem suas deficiências e não sabem por onde começar a se autoeducar. Elas possuem instruções próprias que visam otimizar o aproveitamento de seu conteúdo formando uma rede de interdisciplinariedade entre elas.

As listas não visam engessar ou sufocar a liberdade do estudante de se dedicar ao estudo conforme a natureza das suas próprias inclinações e interesses. Ao contrário, concordamos que as inclinações naturais de uma pessoa são um dos principais recursos para a sua formação intelectual e jamais devem ser suprimidas pela imposição mecânica de qualquer programa ou grade curricular.

Por outro lado, sabemos que é o conhecimento ampliado do mundo e de si mesmo que proporciona ao homem o desenvolvimento do pensamento e da linguagem. Literatura, matemática, história, ciências em geral, filosofia... Cada disciplina é como uma língua estrangeira diferente que precisamos aprender a decodificar, ampliando, assim, nossa linguagem. Sem uma inserção rica e precoce na cultura pela transmissão desses conhecimentos, o que resta é a pobreza linguística, responsável pelo subdesenvolvimento do intelecto e da própria humanidade. Confusão, improdutividade, mal desempenho escolar, indiferença ao estudo, sentimentalismo, infelicidade e até uma agressividade irracional contra os demais são sintomas dessa lamentável carência.

Além disso, valorizamos a preciosa lição de Jules Payot, o qual ensina que o estudante jamais deve cair no erro de estudar apenas o que gosta ou os autores preferidos pelo grupo, sob pena de se tornar jactante e jamais alcançar a sabedoria.  

Mas, como saber se estou preparado para uma leitura?

No Contra os Acadêmicos, consideramos um mau leitor e, portanto, um mau estudante, tanto aquele que tem dificuldade para ler e escrever conforme a norma culta, como aquele que consegue decodificar perfeitamente as palavras, mas é incapaz de encontrar seu verdadeiro sentido na realidade, o típico analfabeto funcional. É inconcebível a ideia de encorajar uma pessoa que escreve “concerteza” em vez de “com certeza”, que não sabe a diferença entre “mas” e “mais”, “acerca” e “a cerca” etc., a encarar uma leitura como a Suma Teológica. É preciso, antes, encorajá-la a corrigir suas faltas.

A dificuldade para ler e escrever está quase sempre relacionada à pobreza de vocabulário. Essa pobreza, por sua vez, leva a outras deficiências, como a falta de esforço imaginativo e de sensibilidade moral, típica de pessoas mal inseridas na literatura, que é a expressão mais consciente da língua. Naturalmente, essas pessoas terão dificuldade mesmo com as leituras mais básicas de filosofia e maiores serão as chances de que elas desistam dos estudos antes mesmo de começá-los. A linguagem dos livros de filosofia, mesmo nas introduções, pressupõe que o leitor já possui algum domínio da língua e seu léxico; e há aqueles que definitivamente não foram escritos para o público leigo, como basicamente a obra Inteira de Eric Voegelin, da qual (como lemos na introdução de alguns livros) até mesmo eruditos reclamavam, pela sua linguagem aparentemente áspera. Por isso, recomendamos não somente o estudo da gramática, mas energética dedicação à literatura para aqueles que dispõem de pouca ou nenhuma bagagem literária.

Por “literatura” queremos dizer, sobretudo, literatura clássica em geral; se você foi um bom aluno de uma boa escola e leu todas as leituras de vestibular recomendadas no ensino médio, é possível que esteja pronto – ainda que o ideal seja uma inserção precoce na cultura clássica, a exemplo do que é praticado no homeschooling tradicional. Essa carga de leitura não inclui literatura "teen" e semelhantes, como Harry Potter, Crepúsculo, Saga Divergente, As Crônicas de Gelo e Fogo e afins. É preciso que o interessado faça certo exame de consciência; literatura clássica nada tem a ver com esse tipo de romance, e filosofia não é brincadeira de criança.

O estudo do latim e do grego é também um excelente aliado do desenvolvimento da linguagem. As línguas clássicas não têm muita utilidade prática, mas sim intelectual. Elas não são acessíveis pela espontaneidade, não se abrem imediatamente, e nos ensinam a ser ativos na leitura, porque, do contrário, não entendemos nada.

Outrossim, sempre defendemos que aqueles que ainda não concluíram suas obrigações escolares, normalmente os menores de 18 anos, devem permanecer nas listas de Literatura até a conclusão da corrida pré-vestibular. Os jovens são conhecidos como deturpadores profissionais de filósofos e, em sua maioria, são presas fáceis do “discurso do pensamento crítico”. Além disso, sabemos o quão energética e dispendiosa pode ser a disputa por uma vaga na universidade. Por isso, é bom que os adolescentes se mantenham preenchendo a cabeça com literatura, línguas clássicas, biografias, hagiografias, artigos, ensaios e seus estudos escolares em geral, antes de se aventurarem na filosofia. 

No entanto, sabemos também que há pessoas que apresentam desde cedo uma disposição natural para a filosofia, e outras que costumam se sentir acanhadas com nosso programa de leitura por acreditarem já ter “passado do tempo”. Nesse caso, não ignoramos a sabedoria dos antigos, como Epicuro: a filosofia é a medicina da alma, daí que seu estudo convém aos jovens e aos velhos. O jovem não deve hesitar em dedicar-se a ela, e o velho não deve deixar de prosseguir no seu estudo, pois ninguém pode dizer que é muito jovem ou muito velho para adquirir a saúde da alma.  

Seja como for, concordamos que todos devem cultivar a filosofia e são bem-vindos à nossa comunidade de estudos, desde que se tenha honesta dedicação e correta intenção.

Para um programa ordenado de leitura

O primeiro e grande desafio do estudante é organizar o próprio tempo. Frequentemente, quem fracassa nos estudos é porque não aprendeu a organizar o seu tempo. No início, parece impossível ler tudo que se pede, e sem buscar uma vida minimamente ordenada, de fato o será. Para uma vida ordenada, no entanto, não importa somente organizar o tempo. É preciso por em ordem toda a "casa", o que implica "ordenar os desejos", "educar a vontade", "alcançar as virtudes".

Por isso, o coração do nosso programa de estudos são os Prolegômenos da Lista de Leitura de Filosofia. Ali temos alguns livros que servem de formação mínima ao interessado nos assuntos que tratamos nos níveis posteriores e mesmo para aqueles que não pretendem se aprofundar na filosofia. Portanto, pedimos enfaticamente que não se negligencie nenhuma das leituras recomendadas e que não sejam adicionados outros livros. A experiência mostra (e o Monumento dos Teimosos o comprova) que muitos acharam uma boa ideia ler, por exemplo, sobre a ontologia de Lacan logo após  “A Vida Intelectual”, achando-se preparados para tal – e com outras intenções por trás, como refutar o amiguinho – e não se deram muito bem.  

Essa regra é importante para que o leitor iniciante, em sua inocência e vontade de ler certos livros, não se aventure em leituras precipitadas e fora de contexto. Isso é bem comum entre os interessados em política e economia, matérias que pressupõem certos conhecimentos que são encontrados apenas em filosofia, e sua falta pode facilmente culminar na criatura grotesca que diz coisas sem saber, o temido palpiteiro.

Cada lista de leitura possui certa lógica interna que oscila entre cronologia e dificuldade. É sabido que, para se ler filosofia, ainda que se comece com introduções atuais, é imprescindível ler os filósofos antigos, isto é, os gregos. Por isso, ao ler nossas listas, alguns ficarão com a impressão de que se trata de uma linha do tempo. E de fato o é, a menos que se trate das listas de literatura onde a ordem cronológica é apenas organizacional: as listas de literatura não possuem ordem de leitura sugerida e não é necessário seguir uma ordem vinculante entre elas.

Ademais, não se deve fixar a atenção em apenas uma das listas de leitura [exclui-se aqui os Prolegômenos da lista de Filosofia]. Louis Riboulet ensina que a atenção excessiva às ciências naturais tende a alimentar o cientificismo e, do mesmo modo, uma atenção excessiva a apenas uma de nossas listas pode facilmente viciar o estudo do leitor. Um bom exemplo é que não raro os afeitos à lógica a tem como mãe das outras disciplinas, acabando por cair no famigerado logicismo. Muitos autores citados não concordam entre si e é assim que deve ser. Ler apenas autores existencialistas, por exemplo, fecharia o estudante em uma só escola de pensamento, o que é bastante perigoso – e é exatamente isso que fazem os mais exaltados. Fechar-se do modo descrito faz com que muitos se transformem exatamente no que acusam os outros de serem: prisioneiros em uma bolha fora da realidade.

Por fim, para que não haja problemas em encontrar os livros, a maioria deles foi “linkada” na Amazon para que o interessado possa adquiri-los. 

Demais instruções estarão nas descrições das respectivas listas. 

1. Listas de leitura ordenada por assunto

Humanas            Exatas                    Literatura
Filosofia   Matemática          Grécia Antiga
História Lógica Roma Antiga
Direito Física O Medievo
Economia Química Portugal
Psicologia   Brasil
Política   Inglaterra
Linguística   França
    Rússia

2. Listas de leitura por autor

Estas listas não possuem ordem de leitura entre si, apenas ordem interna de cronologia e dificuldade.

  1. Albert Camus
  2. Aristóteles
  3. Arthur Schopenhauer
  4. Carl Gustav Jung
  5. Christopher Dawson
  6. Clive Staples Lewis
  7. Edmund Husserl
  8. Eric Voegelin
  9. Eric Weil
  10. Friedrich Nietzsche
  11. Georg Wihelm Friedrich Hegel
  12. Gilbert Keith Chesterton
  13. Giovanni Reale
  14. Hannah Arendt 
  15. Immanuel Kant
  16. José Ortega y Gasset
  17. Louis Lavelle
  18. Martim Heidegger
  19. Michel Foucault
  20. Olavo de Carvalho
  21. Platão
  22. Roger Scruton
  23. Santo Agostinho
  24. São Tomás de Aquino
  25. Soren Kierkegaard
  26. Theodore Dalrymple
  27. Viktor Emil Frankl
  28. Xavier Zubiri

3. Listas de leitura auxiliares

Há ainda as listas de leitura auxiliares com conhecimentos úteis ao candidato a polímata. Ei-las.

  1. Lista auxiliar de Idiomas
  2. Lista auxiliar de Música
  3. Lista de grandes compositores
  4. Lista de Cinema
  5. Lista de Leituras sugeridas por Mortimer Adler
  6. Lista de Leituras sugeridas por José Monir Nasser
  7. Lista de Autores Brasileiros recomendados por Olavo de Carvalho
  8. Lista de Leitura de Introdução ao Tomismo
  9. Lista de Leitura de Filosofia Chinesa

4. O Projeto do Polímata

Polímata é aquele que domina muitas áreas do conhecimento simultaneamente. Quase todos os filósofos que citamos são ou foram polímatas, como Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Immanuel Kant, Eric Voegelin e Xavier Zubiri. O ordenamento das leituras, com sua esmagadora quantidade de livros listados, deve ser visto como um ideal elevado, não como uma prisão. Seu principal objetivo é mostrar, de fato, que existe um alto grau de interdisciplinaridade entre as listas, para que o leitor entenda que as matérias se ligam umas às outras num todo completo e que não se pode atentar a apenas uma como se fosse o suficiente para falar das demais. Não queremos que surjam abominações como Stephen Hawking falando de filosofia ou Ludwig Von Mises falando de história. Para aqueles que desejam alcançar o grau de um polímata é necessário que a dedicação às listas de leitura seja só o início.

O psicólogo não precisa de muita matemática mas precisa dominar Husserl. Sabemos que o psicologismo, embora morto, continua nos assombrando e ainda há aqueles que querem reduzir tudo à psicologia. O Economista está em uma situação diferente. Sabemos que muitos economistas saem de suas áreas para tratar de outras segundo métodos econômicos, o que por si já é um prelúdio de catástrofe. Então, além de economia, é preciso ler muita filosofia e muita história – e até mesmo um pouco de psicologia é bem-vindo. O físico não precisa ler Direito a princípio; mas as ciências exatas têm o problema de comumente induzir o estudante a um cientificismo que cairá cedo ou tarde em materialismo; então somos forçados a pedir que os candidatos a físicos leiam filosofia o suficiente para que esse problema seja afastado.

O lógico está constantemente exposto ao irritante logicismo; então, é preciso que saiba que a lógica possui seu lugar próprio entre as matérias, mas apenas ela nada irá resolver. O mesmo vale para o matemático. O candidato a historiador pode facilmente cair no historicismo e outros problemas se seduzido pelo devir do tempo; então, a filosofia o ensinará que também há o eterno. E o candidato a filósofo precisa ler toda a sua lista própria e muito mais para ser digno do título que almeja, do mesmo modo que o cientista político, aquele que escolheu, talvez, a mais ingrata das matérias, que o fará passar por todas as listas.

  1. Filosofia – Pré requisito: Prolegômenos 
  2. História – Estude também: Filosofia, até o nível 1 ou mais.
  3. Matemática – Estude também: Filosofia, até o nível 2 ou mais.
  4. Lógica – Estude também: Filosofia, até o nível 2 ou mais; Matemática, até o nível 1 ou mais.
  5. Física – Estude também: Filosofia, até o nível 2 ou mais; Matemática, até o nível 2 ou mais.
  6. Direito – Estude também: Filosofia por completo; História (conforme orientações da lista); Lógica, até o nível 1.3 ou mais. 
  7. Economia – Estude também: Filosofia, até o nível 2; História (conforme orientações da lista); Matemática, até o nível 2 ou mais; Lógica, até o nível 1.3 ou mais; Direito, até "raízes contemporâneas" ou mais; Psicologia [Manuais e Introduções].
  8. Psicologia – Estude também: Filosofia por completo; História (conforme orientações da lista); Lógica, até o nível 2 (e tenha domínio de Edmund Husserl). 
  9. Ciência Política – Estude também: Filosofia por completo; História (conforme orientações da lista); Lógica, até o nível 1.3 ou mais; Psicologia, até "comentários e diversos" ou mais.

 

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