Resenha do livro O sentido católico da história, de Dom Prosper Guéranguer¹.
Dom Prosper Guéranguer tendo nascido e crescido na França durante o século XIX, empenhou-se ao longo de toda a sua vida na restauração da sociedade sob a luz do catolicismo. Com as publicações de suas obras, foi fundamental contribuinte para o processo de restauração do catolicismo francês que fora arrasado pela Revolução de 1789. Fez renascer o sentido de que não há uma história puramente humana já que, o fim último do homem é o fim sobrenatural.
D. Guéranguer enuncia que, poderia Deus ter deixado, após o ato criador e a queda, o homem em seu puro estado de natureza. Entretanto não o fez, revelando-se a ele e o convidando a participar desse estado sobrenatural. Desse modo, compreende-se que, se tomado distante da visão sobrenatural e observada apenas sob o aspecto naturalista, a psicologia e a fisiologia são insuficientes para explicar a totalidade do gênero humano, tendo em vista que a razão², que pode explicar muitas coisas, é incapaz de abarcar e compreender por si mesma a presença ou ausência da graça santificante no ser humano. Na visão mesma de D. Guéranguer, a história nada mais é do que o palco de toda a ação da Providência sobre o gênero humano
Ao longo do primeiro capítulo, O sobrenatural na história, ele assinala três escolas historiográficas que subvertem o sentido do gênero humano na história, abarcado na visão católica. São elas: escola fatalista; escola humanística; escola naturalista. (Cfr. P.25-26). A fatalista não considera de modo nenhum o elemento sobrenatural, empurrando a história humana para uma série de causas sem causa e, muitas vezes não conectadas. A humanística considera a ação criadora de Deus, porém descarta o elemento Providencial, encarando-o como limitador da liberdade de ação do homem. Por fim, a escola naturalista faz um afago no sentido católico, porém descartando a necessidade de uma religião ou religiosidade que fundamente qualquer aspecto sobrenatural da realidade. A visão católica, para D. Guéranguer, é a que mais abarca o sentido real da história, pois entende Deus como seu princípio, meio e fim. (Cfr. P.26).
Compreende-se desse modo que, a sucessão de povos e impérios antes de Cristo pavimentou Seu caminho e o de seus profetas enquanto a depravação³ do mundo antigo enunciava o desejo sobrenatural do gênero humano pelo transcendente. A vinda de Cristo traz luz sobre a terra tornando claro para o historiador explicar o sentido de todo o antes, durante e depois da vinda do Messias. Para o historiador católico faz-se preciso saber que, aquilo que contribui para a compreensão do sentido sobrenatural da história é útil, enquanto aquilo que inocula esse sentido é pernicioso.
Nesse sentido, o historiador católico enfatiza três grandes manifestações desse aspecto sobrenatural e divino: a existência e o papel do povo judeu (Cf. p.30-31); a conversão dos gentios (Cfr. p.31-34); a conservação da Igreja através dos tempos (Cfr. p.34-35). Todos esses aspectos dar-lhe-ão base para combater a visão naturalista da história. A base para o estudo católico da história deve, segundo D. Guéranguer, tomar como exemplo dois colossos: Jacques Bossuet e seu Discurso sobre história universal e Santo Agostinho de Hipona e sua Cidade de Deus. Ambos tratam da profunda experiência do desenvolvimento histórico do homem sem deixar de lado a ênfase em seu catolicismo.
A partir do capítulo segundo, A ação da santidade na história, D. Guéranguer toma por princípio um dever do historiador católico, que não consiste apenas em observar os fatos que ocorrem ao seu entorno, nem em apenas observar esses mesmos fatos tomados em seu aspecto sobrenatural, mas estar atento também aos pequenos enlaces da Providência. Desse modo ele perceberá como, por exemplo, a vida dos santos reflete os principais aspectos das sociedades ao longo dos séculos, assim como os profetas refletiam os aspectos das sociedades de seus tempos e, principalmente, o lugar em que Deus queria agir naquela sociedade.
Revelar a grandeza de um santo, discorre D. Guéranguer, é revelar a grandeza da intervenção do divino na história do gênero humano. Durante vários momentos da história humana a única força capaz de sustentar a civilização diante da barbárie foi a santidade de alguns poucos. Do mesmo modo santos reis e rainhas foram manifestações do cuidado de Deus na condução sobrenatural das sociedades.
Ao longo deste mesmo capítulo D. Guéranguer vai discorrendo acerca dos diversos santos e seus atos na sociedade no decorrer dos séculos, apontando com pesar, a decrepitude do florescimento desses personagens e afirmando que, a queda na quantidade de santos se deu, em seu tempo, devido ao enfraquecimento da sociedade católica.
Os impactos da ação salvadora de Cristo através de seus Santos foram tantos e de maneiras tão diversas que se faz, no mínimo, dever essencial do historiador católico narrar seus feitos no curso da história humana (Cfr.p.57).
Abordando especificamente a questão dos deveres do historiador católico no capítulo terceiro, Os deveres do historiador católico, D. Guéranguer assinala que o historiador católico não deve se deixar conduzir pelos maneirismo dos filósofos, que buscam abstrair das ideias de fé o seu sentido real tratando-as apenas como ideias ou ideologias e, por isso mesmo, transformando-as em sofismas esvaziados de seu sentido pleno.
Para D. Guéranguer, o historiador católico deve descrever com plenitude e firmeza de doutrina os fatos à luz do sobrenatural, sem medo de se expor à crítica que o trata como místico. Este também não deve se arriscar na complacência como desculpa para atrair para a fé os vãos filósofos, pois disso resultam duas consequências: 1) sendo católico e tendo sido lido por católicos, pode acabar por confundir e desviar as almas carentes de virtude cristã e firmeza de vontade dos caminhos da fé; e 2) acaba por aumentar o orgulho dos vãos filósofos, que o vêm recorrer aos seus próprios maneirismos para tratar com eles.
A grande postura do historiador católico deve ser a de mostrar-se católico convicto e olhar, com olhos fixos, a imutável verdade revelada. Misturar fé e naturalismo, conclui D. Guéranguer, acaba por esvaziar as almas dessa mesma fé, tornando-as incapazes de compreender o real sentido da história, ou seja, o sobrenatural.
Por fim, no quarto capítulo, Cristo, herói da história, D. Guéranguer conclui que, mesmo entre os historiadores católicos é raro encontrar o sentido católico da história. Por isso, faz uma convocação aos historiadores que arrogam para si a alcunha de católicos, dizendo-lhes que narrem na descrição da história aqueles aspectos sobrenaturais sem os quais a história se reduz à dimensão da imanência pura.
É preciso destacar o desejo infinito de Deus de redimir a todos debaixo de Seu Filho e Sua Igreja e que, apenas por essa ótica, todos os eventos do mundo antigo podem ser plenamente compreendidos, tomando por princípio que Cristo e Sua Igreja são o triunfo. Além disso, ele assinala a importância de associar os males do mundo à sua raiz originária, isto é, o Diabo. É necessário também demonstrar que a história é o palco onde ocorre a aproximação do reino de Cristo e que, as mais altas virtudes pagãs não passam de pobres e vazias tentativas de se conectar com o próprio Cristo (Cfr. p.79-83).
O único fator capaz de unir a humanidade é a homogeneidade do catolicismo. A crença fiel de que a Era de Cristo é a era da salvação e que Sua missão era a de redimir os povos e não simplesmente civilizá-los deve ser fruto dessa mesma unidade. Assim como a compreensão de que esta mesma civilização só ocorre como consequência do processo redentor de Cristo através do anúncio do Evangelho. (Cfr. p.86).
Dom Guéranguer conclui sua obra tratando da importância de os historiadores católicos elaborarem e desenvolverem obras pensadas e escritas num estilo profundamente cristão. É dever do historiador católico formular seus relatos de maneira a expressar tudo aquilo que há de mais importante na história, não se esquecendo que Cristo é o Senhor da história e da humanidade, e todas as coisas ocorrem d’Ele, por Ele e para Ele. Para D. Guéranguer, por fim, toda a história faz referência a Cristo e isso não pode ser esquecido.
Comentários
Não há comentários nessa publicação.