12 Regras para a Vida

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Por Arthur Santos Eustachio
28 de maio de 2022

“Talvez a felicidade será sempre encontrada jornada morro acima, e não na sensação passageira de satisfação  aguardando no próximo pico”.

— Jordan B. Peterson

Escrito pelo psicólogo clínico e professor da Universidade de Toronto Jordan Peterson, 12 Regras Para a Vida: Um antidoto para o caos foi lançado no Brasil pela Editora Altas Book em 2018. O canadense também é autor de Mapas do Significado: A Arquitetura da Crença (1999).

A obra é dividida, como se pode imaginar, em doze capítulos, além do prefácio de seu amigo psiquiatra Norman Doidge, da introdução, do encerramento e agradecimentos, e das notas e índice remissivo. Como recomendam Mortimer Adler e Charles van Doren em Como Ler Livros, dar atenção a este último aspecto é importante para ter noção dos temas que serão discutidos e das referências que serão usadas ao longo da leitura.

Engana-se quem julga esta obra de Peterson apenas pelo nome. 12 Regras Para a Vida não lida com meras diretrizes de autoajuda cheias de termos intricados e distantes do cidadão comum, mas com um estudo interdisciplinar entre psicologia, antropologia, política e religião para analisar questionamentos contemporâneos de maneira assertiva, clara e divertida. A fim de oferecer praticidade, Peterson se aproxima do leitor ao trazer episódios de sua vida para ilustrar e adentrar os assuntos de cada capítulo.

A ordem e o caos

Já em sua introdução, Peterson explica que em Mapas do Significado, ele propôs que as grandes estórias e mitos do passado, principalmente aqueles de tradição oral antiga, possuíam um objetivo moral em vez de serem apenas narrativas descritivas. Assim, ele sugeriu que os ancestrais viam o mundo como um palco, em que a ordem e o caos estavam acima de fatos materiais. A ordem é a ação segundo as normas sociais, os códigos e a tradição estabelecidos numa comunidade. É quando há compreensão, cooperação e previsibilidade entre seus agentes. Em contraste, o caos é a imprevisibilidade, a ruptura, a destruição e criação, “a fonte das coisas novas e o destino dos mortos”.

Desta forma, o mundo da experiência se constitui da tensão entre ordem e caos. A ordem é o território explorado, onde tudo ocorre como planejado e sem novidades perturbadoras. Muita ordem leva à tirania, o que não é nada bom. O caos, por outro lado, é o território inexplorado, onde aparecem coisas e ocorrem situações que não entendemos ou conhecemos. Muito caos leva à instabilidade, que também não é nada bom. Peterson argumenta que a subjugação a estes fenômenos nos faz duvidar da existência e que é somente por meio do conhecimento adequado da consciência, da percepção e não da racionalização, que podemos encontrar uma saída digna.

O autor desenvolve durante o livro que ordem e caos, mais exatamente, não são simples objetos inanimados; são compreendidos como personalidades experimentadas:

“[A ordem e o caos] são o yang e yin do famoso símbolo taoista: duas serpentes da cabeça ao rabo. A ordem é a serpente branca, masculina; o caos, sua equivalente feminina, preta. O ponto preto no branco — e o branco no preto — indica a possibilidade de transformação: exatamente quando as coisas parecem seguras, o desconhecido pode se assomar gigante e inesperadamente. Em contrapartida, exatamente quando tudo parece estar perdido uma nova ordem pode emergir da catástrofe e do caos. Para os taoistas, o significado deve ser encontrado no limite entre o par eternamente entrelaçado. Caminhar nesse limite é permanecer no caminho da vida, o Caminho divino”. [1]

A Ordem, então, é simbolicamente o masculino. A razão por trás dessa simbologia, analisa Peterson, é que, no decurso da história, são os homens os construtores das cidades e do povoado; os engenheiros, pedreiros e operários; os policiais, o exército e a cultura política. Deus, aquele que ordena, é o Pai, o eterno Juiz, quem pune e recompensa.

O Caos é simbolicamente o feminino porque todas as coisas que nascem se originam do desconhecido e todos nascem de mães. Há a aparência positiva: de ser a fonte, o domínio misterioso da gestação e do nascimento; há a aparência negativa: de ser a escuridão impenetrável, a mãe ursa que ama sua prole, mas que o mata se o considera um predador.

Lagostas e hierarquias

No primeiro capítulo, Costas eretas, ombros para trás, o psicólogo demonstra como a postura física e a atitude mental podem ser fatores cruciais para trajetória de nossa vida e também para nossos resultados. Para evidenciar isso, Peterson utiliza estudos sobre o sistema nervoso das lagostas. As lagostas, ancestrais comuns do ser humano, vivem no planeta há mais de 350 milhões de anos — mais tempo do que as árvores e os dinossauros. A sobrevivência das lagostas é estruturada em hierarquias associadas a seu sistema nervoso que possui um mecanismo amparado por níveis de dois neurotransmissores: serotonina e octopamina. Esse mecanismo, que também está presente no sistema nervoso do ser humano, capta o status do ser. Quanto maior é o nível de serotonina, maiores são a confiança, as emoções positivas e o status do sujeito. A partir dessa configuração natural das hierarquias das lagostas — ancestrais evolutivos do ser humano —, Peterson infere que a formação de hierarquias entre as pessoas não são construções sociológicas do capitalismo ocidental; mas antes a inevitável continuidade na forma como animais e seres humanos organizam suas estruturas.

Vale notar que quando se diz “natural” para o caso das lagostas, é no sentido de ser inato, inerente, intrínseco ao animal. No caso das pessoas, poderia haver a objeção de que a atual constituição social não é natural naquela concepção, isto é, não é inato, inerente, intrínseco. Peterson esclarece que “natureza” é “aquilo que seleciona”, e quanto mais tempo algo tem existido, maior seu período para ser selecionado e moldar a vida. Portanto, maior foi a resistência ao “teste do tempo”, como pontua Roger Scruton em As Vantagens do Pessimismo. O psicólogo segue raciocínio similar ao de Friedrich Hayek em Os Erros Fatais do Socialismo quando este nota que o uso habitual do termo “natural” tende a restringir a palavra a propensões ou instintos inatos. Nesta lógica, todo o avanço civilizatório, as regras de conduta, a moralidade, a linguagem, as leis, etc. que foram adquiridos através da evolução seriam considerados “antinaturais”, “maus” e “opressivos”.

III.  Sacrifício e sofrimento

Jordan Peterson, no capítulo Cuide de si mesmo como cuidaria de alguém sob sua responsabilidade, reflete que o ser, ao “abrir os olhos” pelo Pecado Original, ao se tornar consciente, compreende os sentidos do Bem e do Mal. A manha de conhecer o que nos faz sofrer faz toda a diferença. Isso não só quer dizer que sabemos o que nos faz sofrer, mas que sabemos o que faz os outros sofrer. Logo, temos a capacidade de fazer conscientemente os outros sofrer, o que torna tudo pior. “Ninguém entende melhor a escuridão do indivíduo do que o próprio indivíduo”. [2]

Segundo Jordan Peterson, a ideia de que o sofrimento é um princípio está em todas as doutrinas religiosas importantes: no cristianismo, no judaísmo e no budismo. A qualidade de Bom foi concedida ao Homem e à Mulher originais. Deus sabe que isso é mais fácil. Peterson aponta que há algo de libertador em exercer a escolha de ser bom, de genuinamente conquistar a bondade, e que talvez o livre-arbítrio importe em algum sentido cósmico.

Ainda assim, sempre que experimentamos a injustiça — real ou imaginária —, a tragédia, o horror e a dor ou somos vítimas de algo, sentimos a tentação de questionar e amaldiçoar o Ser. Mas, o Diabo mora nos detalhes. Então, Peterson aprofunda: não é simplesmente a dureza da vida, o fracasso ou a amargura que motiva o mal; é a dureza da vida intensificada pelo sacrifício continuamente rejeitado. Sob essa condição, criticar e se revoltar contra Deus se torna o atalho mais atraente. A história de Caim e Abel simboliza isso.

O erro, nessas horas, requer sacrifício. Rejeitar a verdade por muito tempo aumenta ainda mais a dívida. Uma vez que o futuro é o pai julgador, o adiamento da gratificação é a primeira parte da equação para o sucesso. O sacrifício pode ser a causa da obtenção de algo melhor. Por isso, o autor diz que o único jeito de descobrir no que você realmente acredita é examinando as suas ações. Elas refletem mais precisamente suas crenças profundas do que palavras soltas no ar. Lembrar os erros é o complemento da equação. A memória aqui serve como uma ferramenta cujo objetivo é lembrar-se do passado para impor limites na finalidade de não repetir os mesmos erros no futuro. Sem limitações, o ser tudo pode; não há superação de vícios, não há historia. Sem história não há o Ser. O Ser, fala Peterson, necessita Tornar-se algo a mais.

Influenciado por  e estudioso de mitologia e dos movimentos totalitários do século XX, Jordan Peterson recorrentemente cita estórias bíblicas e a obra Arquipélago Gulag, de Alexander Soljenítsin, prisioneiro durante onze anos num dos campos de trabalho forçado da União Soviética. Ele concluiu que existe relação causal direta entre a patologia totalitária e a deturpação e negação do sofrimento, gerando os assassinatos em massa. A descrença no divino e o sentimento niilista pavimentaram caminho para a sucessão de ideias novas, totalitárias e utópicas que originaram os horrores coletivos do comunismo e fascismo. Aqueles que pensam que é melhor nem existir flertam com o suicídio; os que pensam que o Ser não deveria existir flertam com a destruição total, o desejo do sofrimento pelo sofrimento, que é a essência do mal, nas palavras de Peterson.

Intenção e motivação

Jordan Peterson identifica problemas particulares politicamente impopulares na Regra 3 e na Regra 11. Ao falar da iniciativa filantrópica, o psicólogo afirma que tirando a ingenuidade, a tentativa de ajudar alguém é geralmente por causa de vaidade e narcisismo. Talvez a intenção seja correta, mas a motivação seja egocêntrica. Peterson diz que o mais provável é que o sujeito queira demonstrar sua compaixão e boa vontade, convencer a si mesmo que se importa com os outros e que seu caráter é bom, ou parecer superior e virtuoso. Não só o comportamento superficial deve ser avaliado; são as suas razões internas que moralmente importam. Amar o próximo é tarefa bem mais árdua do que se autoproclamar amante de entidades abstratas como “A Humanidade”. Há um motivo por que Jesus usa a palavra próximo.

Ao tratar da miséria e do ressentimento, o canadense conta que talvez ela seja uma condição usada para exprimir ódio contra aqueles que se dão bem, enquanto o sujeito só se afunda; ou seja usada de pretexto para provar algo, como a injustiça do mundo e a recusa de se responsabilizar pelos erros; ou, em última instância, seja a vingança contra o Ser. “Aconteceu o que eu queria? Não. O mundo é injusto, as pessoas burras demais para entender. A culpa é de alguém ou algo”. [3] Essa é a mentalidade orgulhosa, desonesta e inautêntica – a precursora do totalitarismo.

Seguindo na aparência humanista analisada por Peterson, ele observa como que a busca por igualdade esbarra em grandes barreiras. Qualquer hierarquia gera vencedores e perdedores e a busca de objetivos gera significado à vida. Portanto, a diferença de resultados, subproduto das escolhas livres dos indivíduos, é inevitável. A igualdade exigiria a perda da liberdade, resultando em perda de valor e de sentido.

Meninos tendem para coisas; meninas, para pessoas [4]. Essas diferenças, fortemente influenciadas por fatores biológicos, são mais predominantes nos países escandinavos, onde a igualdade de gênero é mais avançada [5]. Exatamente o oposto do esperado pela teoria que diz que o gênero é construção social. Peterson avalia, numa ilustração exata do ‘duplipensamento’ que George Orwell retrata em seu clássico 1984, que essa teoria leva imediatamente a inconsistências internas dentro da ideologia que nunca são enfrentadas. “O gênero é construído, mas um individuo que deseja uma cirurgia de redesignação de gênero deve ser indiscutivelmente considerado um homem preso em um corpo de uma mulher (ou vice-versa). O fato de que ambos não podem ser logicamente verdadeiros, simultaneamente, é simplesmente ignorado”. [6]

Nas últimas páginas, Jordan Peterson escreve uma das passagens mais impactantes da obra: “Sofrer terrivelmente e saber que você mesmo é a causa: isso é o Inferno. Uma vez lá, é muito fácil amaldiçoar o próprio Ser”.

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