Astrocaracterologia: 30 anos de pesquisa.

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Por Edil Carvalho
13 de fevereiro de 2023

No início da década de 90, comecei meus estudos de astrocaracterologia com Olavo de Carvalho. E desde então, venho contribuindo para a divulgação e aperfeiçoamento desta teoria através das minhas leituras e consultas astrológicas. 

O presente ensaio é um resumo que escrevi anos atrás, no qual apresento as bases teóricas e as principais referências da astrocaracterologia E agora, fui convidado para revisá-lo e publicá-lo aqui, no site do Contra os Acadêmicos.

 

Sumário

1- introdução 

2- justificativa 

3- a Astrocaracterologia e seus três grandes pilares 

3.1- o caráter e as direções da atenção 

3.2 - as direções da atenção e as casas astrológicas 

3.3 - as faculdades cognitivas e os corpos celestes 

3.4 - a biografia 

4- limite e valor do diagnóstico astrocaracterológico 

5 - bibliografia 

 

  1. introdução

A psicologia vem redobrando os seus esforços na tentativa de desvendar esse território complexo e misterioso chamado de “alma humana”. Ao longo do seu percurso, o entendimento dos processos cognitivos e da formação da consciência individual se tornaram tópicos recorrentes e fundamentais. Afinal, passou-se a acreditar que boa parte dos nossos dramas e nossos complexos são determinados por distorções que se operam na esfera da nossa inteligência, fazendo com que, por consequência, nos relacionemos com o mundo, com as pessoas e com a sociedade de maneira inadequada e imprópria.

Várias contribuições foram feitas neste sentido, como, por exemplo: Piaget e os processos da Assimilação e da Acomodação; Viktor Frankl e a Logoterapia; William Stern e sua Psicologia Cognitiva; Gordon Allport e sua noção de proprium; Ludwig Klages e sua noção de caráter; Maurice Pradines e as relações que ele estabelece entre consciência e espírito. No panorama ainda recente, as teorias sobre a natureza das inteligências pessoais despertaram também enorme interesse: Howard Gardner e a Teoria das Inteligências Múltiplas; Daniel Goleman e a Teoria da Inteligência Emocional.

A Astrologia não poderia deixar de dar a sua contribuição a este tema, visto que durante os séculos XII e XIII os planetas astrológicos já eram associados às faculdades cognitivas, tal como podemos depreender da obra do filósofo e astrólogo árabe Mohieddin Ibn’ Arabi; faculdades que, por sua vez, foram bastante discutidas pelo filósofo Alberto Magno. Aliás, foi partindo destes estudos e da noção de caráter, definida por Klages como direção da atenção, que se construiu uma teoria extremamente original, a Astrocaracterologia, proposta por Olavo de Carvalho em torno de 1989 e que constitui propriamente uma teoria astrológica de fundamento cognitivo.

Esta teoria revela a associação existente entre o mapa astrológico e a estrutura cognitiva individual, tornando-o um instrumento valioso para fazer aquilo que chamamos de mapeamento cognitivo pessoal. E é este mapeamento que nos permite diagnosticar as direções para as quais a atenção individual está voltada, ou melhor, aqueles valores e experiências que, para o próprio indivíduo, são de fundamental importância para a construção de seu destino. Tudo ficaria embasado no seguinte adágio, vislumbrado pela própria teoria: “diga-me como vês, que eu te direi quem és”. Ou o inverso: “diga-me quem és, que eu te direi como vês.”

Vemos, assim, pelo rumo que os estudos e as pesquisas estão tomando, como é de capital importância o entendimento da cognição para compreender melhor os comportamentos humanos – e a contribuição que a Astrocaracterologia pode dar a este tema, se tornando por isso mesmo um grandioso instrumento para psicólogos, pedagogos e para os próprios astrólogos.

 

  1. justificativa

Ao investigar a história da Astrologia com um espírito altamente detetivesco, emendando pistas de natureza metafísica, cosmológica, antropológica e psicológica que se encontravam dispersas, a Astrocaracterologia verificou que este saber estava - e está - indissociavelmente ligado a certos padrões de percepção individual, traduzindo e revelando a concepção que o indivíduo tem de si e do mundo, tanto do ponto de vista propriamente intelectivo, quanto afetivo e volitivo. Por isso, pela sua própria natureza, a Astrocaracterologia é uma Teoria da Cognição Humana muito particular, cuja estrutura é astrológica. E por ser isto mesmo, ela tem concepções próprias, métodos, práticas e campos de investigação bem diferentes daqueles propostos pelos diagnósticos astrológicos vigentes. Por isso, a sua devida utilização implica no conhecimento de todos estes conhecimentos que lhe serviram de pano de fundo e de onde ela se ergueu, sem os quais a sua técnica se torna incompreensível e inadequada, senão impossível. Por isso, qualquer aplicabilidade desta teoria depende da compreensão do arcabouço da mesma, sem o qual qualquer dedução é delírio e qualquer imediatismo um problema.

É claro que, diante da complexidade desta teoria, na qual alguns pesquisadores trabalham até hoje, não se poderia esperar que um simples resumo como este viesse a ilustrar a grandeza desta obra e lhe fazer jus. Seria ingenuidade. Minha intenção, antes de tudo, é a de apresentar e divulgar a existência de um trabalho que vem sendo construído anos a fio, e isto não só porque o assunto é apaixonante, mas também porque ele se mostra extremamente importante para a compreensão do quanto a esfera cognitiva engloba e emoldura a vida psíquica, ou melhor, do quanto o campo de atenção do sujeito é capaz de determinar os seus comportamentos, a sua conduta e o rumo da sua biografia. Ademais, divulgo este trabalho porque ele é o testemunho de que o saber astrológico pode, deve – e já está – sendo tratado de uma maneira bastante rigorosa, contrastando em muito com a abordagem superficial e leviana que habitualmente lhe é dada e que impede que a sociedade reconheça o seu valor e dele faça um justo uso.

Se a divulgação deste trabalho contribuir para que o tema astrológico deixe de ser visto como mais uma opção de divertimento e devaneio e possa ser encarado com um campo de estudo fértil na compreensão da relação do Homem com o Mundo, creio que fiz a minha parte.

3- a Astrocaracterologia e seus três grandes pilares

A Astrocaracterologia está fundamentada em diversas noções, sem as quais o seu arcabouço se torna completamente incompreensível. No entanto, para que se tenha uma breve idéia do que possa ser a sua natureza e sua aplicação, três de seus fundamentos precisam ser explicados:

  • o caráter e as direções da atenção
  • as faculdades cognitivas
  • a biografia

É o que pretendo fazer a partir de agora.

 

3.1- o caráter e as direções da atenção

“Se estamos interessados em orientar e predizer o comportamento de João, ou em compreender a qualidade propriamente joanina de João, é necessário... fazer uma clara distinção entre o que é de importância para o indivíduo e o que simplesmente o interessa como fato, isto é, entre o que ele sente ser vital e central no seu desenvolvimento e o que pertence à periferia da sua existência.”

Gordon Allport

Se bem que a “ciência da alma” tenha atingido a idade respeitável de aproximadamente 2500 anos, diversas razões contribuíram para que ela não alcançasse o desenvolvimento e o status já alcançado por outras disciplinas. Uma delas é que, desde o início, esta ciência se dividiu em duas correntes que só muito recentemente começaram a se juntar:

  • uma - que cedo tomou o nome de Psicologia - se ocupou em descrever e retratar o funcionamento da psique através dos fenômenos da atenção e percepção, bem como os seus estados emocionais e como todas as suas alterações se processam e dialogam e, sobretudo, como este diálogo pode ser imprevistamente rompido e apresentar distúrbios, tentando assim delinear a verdadeira a natureza da alma em todos os seus pavimentos insuspeitos, com toda a sua rede de encanamentos e fiações que movem a pessoa;
  • a outra - que só recentemente se organizou e se sistematizou sob o nome de Caracterologia - sempre se ocupou em conhecer as características pelas quais um ou outro indivíduo pode ser reconhecido e identificado, tentando assim conceber um retrato da diferença e da singularidade humana e dos fatores responsáveis por tal diferenciação.

Apesar destas duas abordagens terem caminhado relativamente separadas ao longo de séculos e terem, por isso mesmo, se esbarrado uma na outra, uma pergunta um dia se impôs: é possível que haja na própria psique algum componente que responda pela diferença e pela singularidade humana? Será que este componente impõem a psique outras exigências? Há, de fato, algum componente da psique que seja responsável não tão somente pela formação da identidade, mas também pelo bom ou mal funcionamento dela própria? Há mesmo alguma relação ou diálogo entre o funcionamento da psique e a estrutura da personalidade, de modo que a partir daí pudéssemos compreender melhor o desenvolvimento psicológico do ser humano?

Gordon Allport introduz esta discussão explicando que os nossos impulsos, desejos e necessidades representam exigências urgentes de redução de tensão que precisam ser satisfeitas, encontrando assim um prumo e um equilíbrio para forças que configuram, sim, motivos psicológicos bastante reais. Estes motivos seriam denominados motivos de déficit. Eles exigem que a tensão seja imediatamente eliminada, restaurando o equilíbrio perdido. No entanto, Allport adverte que por mais que busquemos satisfação para motivos desta natureza e por mais que queiramos estabilidade, há outros motivos que também geram tensão e que colocam o indivíduo em constante instabilidade, mas frente aos quais ele nunca tem uma satisfação imediata e, nem por isso, esmorece, assumindo-os inclusive até o limite do insuportável.

Allport se pergunta: por que há motivações que nos deixam extremamente abalados quando não são imediatamente satisfeitas, enquanto a insatisfação ocasionada por outras motivações nunca é suficiente para nos paralisar? Para este notável psicólogo, isto só ocorre porque existem motivos de duas ordens: os motivos de déficit e os motivos de crescimento. Estes últimos, ao contrário dos primeiros, mantêm a tensão no interesse de objetivos distantes e muitas vezes inatingíveis, porém suficientes para o desenvolvimento do indivíduo - e isto porque eles traduzem os valores que foram livremente escolhidos e aceitos por ele próprio.

É desse modo que Allport explica a influência que os ideais e os valores exercem sobre o processo de desenvolvimento psicológico. No entanto, ele esclarece que estes fatores são os extremos cobiçados por nossas intenções e que nunca os atingiremos completamente. Aliás, segundo Allport, alguns autores consideraram este ponto de suma importância: Jung, por exemplo, definiu a personalidade em termos do estágio ideal de integração a que o indivíduo tende. Neste caso, a personalidade não seria então o que alguém possui, mas o resultado projetado do seu crescimento. Spranger, por sua vez, considera a personalidade de um indivíduo em termos de sua aproximação a um tipo ideal. De qualquer modo, o que se revela importante é a orientação e a posição que o indivíduo toma perante um futuro que pretende atingir, por maiores que sejam as tensões que daí advenham.

Por isso, para Allport, os fatores mais elementares e importantes ao desenvolvimento psicológico são estas amplas disposições intencionais que apontam para o futuro e que submetem a vitalidade psicológica a uma rede de significados. Para empregar um termo da filosofia medieval, como Allport explica, esta situação representa a intencionalidade da pessoa. Como tal, ela seleciona, atrai, guia e inibe estímulos de outra ordem, dirigindo todos estes impulsos em outra direção e cujo trajeto determina a conquista da própria maturidade psicológica. Percebemos que isto ocorre quando o indivíduo é dominado por impulsos ou por pressões circunstanciais: numa situação como esta, ele perde a integridade que provém unicamente do fato de conseguir manter direções principais de esforço. Ademais, a posse de objetivos de longo alcance, considerados como centrais à existência pessoal, distingue o ser humano do animal, o adulto da criança e, em muitos casos, a pessoa sadia da doente. E, para Allport, todo esforço refere-se sempre ao futuro. Na realidade, a grande maioria dos estados psicológicos só podem ser adequadamente descritos em termos de futuridade, pois somente assim compreendemos a que o indivíduo subordina livremente a sua vida. Esta situação exige, para a sua própria compreensão, um tipo de psicologia que transcenda a tendência que prevalece ainda hoje em explicar os estados psicológicos unicamente em função de acontecimentos passados. Afinal, como conclui Allport, enquanto a Psicologia quase só se preocupa em investigar o passado histórico do indivíduo, ele procura guiar a sua vida em função de um futuro.

E um dos fatores mais elementares para o bom funcionamento da psique e que nos coloca na condição de fundar uma verdadeira psicologia do futuro é chamado de caráter. Ele é definido por Ludwig Klages como "uma unidade viva, ou a qualidade distintiva essencial de uma alma individual. Afinal, todo homem é dotado de uma alma, mas possui, além disso, um espírito, quer dizer: ele é um eu ou um si”. Por isso, num sentido muito específico, o caráter é, como o próprio Klages define, “a qualidade da vontade pessoal” e assinala, como ele continua explicando, as condições constantes que revelam a direção preferencial de um eu ou de uma consciência, determinando assim as metas às quais alguém se sente impelido. 

Aliás, é esse componente da personalidade chamado de caráter que explicaria por que é que, na presença das mesmas circunstâncias, dois indivíduos que dispõem da mesma educação familiar, da mesma influência social e até mesmo de capacidades idênticas reagiriam de modo completamente diferentes: afinal, cada um tem uma maneira distinta de interpretar a situação ao redor e de reagir a ela - isto porque cada um observa, valoriza e reage à situação de um modo que lhe é muito próprio. É o caráter, então, que viria a dar um diferencial à personalidade, fazendo com que cada pessoa viesse a viver sua vida e a escrever sua história de uma maneira muito peculiar. Aliás, se tomarmos o termo caráter em sua acepção etimológica, poderíamos considerar que toda marca individual é fruto do emprego de todos os nossos esforços em direção à realização de uma meta ou propósito muito particular. Afinal, existe dentre de todos nós, sob o amontoado de confusões, uma unidade viva que incessantemente não deixa de murmurar certas sugestões que deveríamos escutar e acatar, já que elas são a expressão máxima da nossa realização pessoal, isto é, do nosso destino, da única tarefa que nos cabe.

Para o próprio Allport, esta unidade pode ser representada por um foco que confere um sentido de importância a algumas experiências, relegando as restantes a condições secundárias. Isto porque os problemas da vida reclamam escolha e sistematização segundo a relativa importância de cada um. São estes problemas ou experiências que o mundo nos reserva que exigem um planejamento e orientação a longo prazo e que acabam revelando um centro de referência a partir do qual o indivíduo se autodetermina e faz suas escolhas. 

A este centro de referência Allport chama de proprium, muito embora ele chegue a compará-lo ao caráter, na medida em que ambos designam um foco seletivo. O caráter – o nosso foco seletivo – concentra-se assim no aspecto a longo prazo de nossa experiência emocional e se revela na capacidade de adiar uma satisfação imediata em troca de um bem futuro. Isto porque, da confusão de sentimentos em que todos estamos mergulhados, procuramos salvar e manter alguns - aqueles que expressam os nossos valores mais caros. São estes sentimentos “altamente valorizados” que sustentam a nossa personalidade e que lhe dão feitio e forma. 

Allport ainda acrescenta que estes “sentimentos altamente valorizados” não são infinitos em número: são poucos. E que eles são diferentes para cada pessoa. Ademais, que uma situação como esta deveria estimular os profissionais envolvidos com psicodiagnósticos a seguirem uma linha de pesquisa em que finalmente se conseguisse constatar estas unidades fundamentais ao desenvolvimento psicológico. Mas para realizarmos o que Allport sugere, seria necessário, primeiro, reconhecermos a existência de algumas experiências humanas que fossem altamente valorizadas e, segundo, detectarmos o quanto elas estão ou não sob o foco da atenção de um indivíduo, de modo que pudéssemos ainda verificar o quanto estes focos ou direções da atenção foram fundamentais ou não para determinar o seu comportamento ao longo da sua história. 

Mas um mapa astrológico atende a estes requisitos e constitui exatamente o psicodiagnóstico a que Allport se reporta, como pretendo demonstrar agora.  

 

3.2 - as direções da atenção e as casas astrológicas 

"Nosso olhar dirige a realidade para onde bem entende".

Adolfo Bioy Casares

O sistema astrológico é, querendo ou não, uma espécie de catálogo que tenta abarcar certas experiências humanas que são consideradas fundamentais. E se aprofundarmos nossos estudos e analisarmos mais de perto um dos componentes desse sistema, o sistema das Casas Astrológicas, perceberemos que ele descreve a relação existente entre um posto de observação na Terra e a esfera celeste, demarcando as perspectivas que se abrem entre o observador e o mundo em torno e designando, portanto, certos campos da atenção. Esta é, aliás, uma das premissas da teoria astrocaracterológica: o sistema das Casas Astrológicas descreve os campos de atenção individual, isto é, aquelas experiências que o mundo nos reserva e para as quais a nossa atenção se dirige e se volta. 

Mas que experiências são estas que roubam e tomam por completo nossa atenção e que, por sua vez, nos levam a enxergar e entender o mundo através de uma perspectiva muito particular? 

 

CASA 1:  

a auto-imagem, isto é, a imagem que uma pessoa passa de si mesma – uma imagem que pode ser autêntica ou falsa. 

 

CASA 2: 

as propriedades físicas das coisas que causam prazer ou dor, bem-estar ou mal-estar.

 

CASA 3: 

as palavras, sinais e símbolos que foram bem ou mal-empregados e interpretados. 

 

CASA 4: 

os desejos que ora são satisfeitos, ora frustrados, gerando felicidade ou infelicidade.

 

CASA 5: 

as ações bem ou mal executadas que levam ao sucesso ou ao fracasso. 

 

CASA 6: 

a ordem ou a desordem existente entre as partes que mantém o todo equilibrado ou desequilibrado, harmônico ou desarmônico.

 

CASA 7: 

a permeabilidade ou impermeabilidade à existência alheia que permite ou não a troca e a reciprocidade.

 

CASA 8: 

as propriedades reativas das coisas que geram uma mudança radical e efetiva ou cria uma situação muito pior.

 

CASA 9: 

os princípios sobre os quais as pessoas fundamentam suas condutas e crenças – princípios que podem estar certos ou errados. 


 

CASA 10: 

a posição que o indivíduo ocupa ou não dentro da estrutura hierárquica e o poder que obtém. 

 

CASA 11: 

as perspectivas futuras que ora são otimistas, ora pessimistas. 

 

CASA 12: 

as forças enormes e inomináveis que nos cercam e que imprimem a nossa vida um determinado fim que se cumpre ou permanece em aberto.  

 

Cabe observar que estas experiências estariam sob o foco da atenção de um indivíduo à medida que um dos sete planetas pessoais se posicionasse dentro de uma das doze casas astrológicas do seu mapa astrológico, levando-o a conferir um sentido de importância às experiências designadas por estas casas e dispensando às outras uma atenção secundária, ocasional.   

Mas se as posições destes sete planetas dentro de uma das doze casas determinam as experiências que estão sob o foco da atenção individual, resta saber a natureza desse enfoque - o que pode ser compreendido através das faculdades cognitivas, sobretudo porque elas já haviam sido associadas aos planetas astrológicos.

É o que passamos a ver agora. 

 

3.3 - as faculdades cognitivas e os corpos celestes

“A visão não é o sol; nem ela e nem a parte onde ela se encontra e que chamamos olho. Mas de todos os órgãos do sentido, parece-me ser o olho o que tem mais afinidade com o sol”

Platão, República, 508-b

Se a Astrocaracterologia tem como uma das suas premissas a noção de faculdades cognitivas, é extremamente importante explicá-la. Para isso, será necessário lembrar que ao longo do século XIII os seus estudos deram mostras de um longo amadurecimento pelos quais passaram e, como uma árvore que exibe seus frutos, deixou-nos como legado dois estudos importantíssimos que, desde já, se tornam indispensáveis para compreender, primeiro, as capacidades ou funções da alma humana e, segundo, a relação dessas funções com os astros celestes. 

O primeiro estudo se refere aos tratados do escolástico Alberto Magno (1193-1280) sobre o funcionamento da alma humana que, segundo ele, se dava e se articulava em sete funções distintas, indicando os modos como o indivíduo percebia, sentia e lidava com as circunstâncias aos seu redor. O segundo estudo se refere aos tratados do filósofo árabe Mohieddin Ibn’Arabi (1165-1240) que associava certas funções da alma a alguns planetas celestes. Apesar destes dois autores nunca terem dialogado entre si, vemos que as afirmações que ambos fazem sobre as funções psicológicas são em muito parecidas, se tornando, por isso mesmo, extremamente importantes para compreendermos o significado que carregam os planetas astrológicos. 

No entanto, não podemos fazer vista grossa à recente contribuição dada pela psicologia cognitiva que, durante toda a sua existência, contribuiu em muito para esclarecer as atribuições de cada uma dessas faculdades, revelando o papel de cada uma delas na integração da personalidade do indivíduo. O quadro de correspondência abaixo tenta ilustrar todo esse conhecimento que assim pode ser resumido e sintetizado:

 

SOL = INTUIÇÃO

percepção imediata que o sujeito tem de determinada experiência tão logo ela se manifeste e se apresente

 

LUA = SENTIMENTO

alteração emocional – ora agradável, ora desagradável - que determinada experiência provoca no sujeito

 

MERCÚRIO = PENSAMENTO

associação que o sujeito faz de determinada experiência com outras experiências já conhecidas

 

VÊNUS = FANTASIA

imaginação das infinitas possibilidades que determinada experiência permite e oferece, vislumbradas pelo sujeito

 

MARTE = ESTIMATIVA

reação instintiva que o sujeito tem perante determinada experiência

 

JÚPITER = VONTADE

expressão da liberdade que o sujeito se dá perante a experiência, moldando-a de acordo com sua vontade


 

SATURNO = RAZÃO

formulação de regras e leis que o sujeito constrói a partir de determinada experiência e com as quais compõe o seu entendimento de mundo

 

Considerando as posições que estes planetas tomam dentro das casas astrológicas, compreendemos as experiências humanas para as quais cada uma das faculdades cognitivas está direcionada e, assim, como o indivíduo, percebe, sente e lida com o mundo que o cerca.  

Por isso, se pretendemos conhecer um indivíduo por completo, não podemos conhecer somente a natureza das suas emoções; temos que conhecer também a natureza das suas ações, bem como a natureza das suas intelecções. Um diagnóstico como tal nos permite compreender o indivíduo integralmente, mas também o modo como ele se integra ao mundo e toma posse de certas experiências que contribuirão para o desenvolvimento e para formação da sua personalidade, bem como para a construção de um projeto vital, do qual sua personalidade não se encontra divorciada. Construir a si mesmo e desenvolver uma personalidade diferenciada está, portanto, subordinado à construção e realização de um projeto vital, da mesma maneira que a realização de um projeto de vida depende do desenvolvimento e da formação da personalidade, do melhoramento da própria natureza. 

Devo, portanto, lembrar que ao vislumbrarmos esse projeto de vida, boa parte do quadro de referência que fomos construindo ao longo da nossa existência é imediatamente requisitado para analisá-lo e julgá-lo, de modo que todos os nossos conceitos, idéias e valores são postos imediatamente em ação para esclarecer sua natureza, para entender cada vez mais o seu perfil e o seu contorno, dando forma, portanto, a algo que até então se mantinha nebuloso e informe. Imaginem então o desastre que é caso este império intelectual esteja cheio de noções distorcidas ou de lacunas: a psique não vai encontrar as condições necessárias para entender esse projeto de vida e, diante desta situação, ele pode acabar continuando nebuloso e informe – ou até mesmo cada vez mais deformado.

Compreendemos, assim, o quanto que o exercício da faculdade da razão é fundamental para a compreensão e construção deste projeto de vida e o quanto que o desenvolvimento desta faculdade cognitiva é essencial para a integração da própria personalidade, sobretudo porque é através dela que o indivíduo julga, analisa e tenta compreender tudo o que lhe ocorre e que o cerca. Sem ela, ou sem o exercício dela, o indivíduo não consegue interpretar a riqueza da vida, tampouco construir um quadro de referência mais vasto que lhe permita encontrar uma razão, um sentido para a própria vida.  

Esta é, aliás, uma das premissas mais fundamentais da Astrocaracterologia: cada indivíduo tem um tipo de inteligência racional e, por isso mesmo, tem por tarefa desenvolvê-la e ampliá-la, sob o preço de continuar confuso e desorientado, jamais encontrando uma razão que lhe explique os absurdos com que se depara ao longo da vida - o que acaba deixando marcas na sua biografia, como pretendo demonstrar agora.  

 

3.4 - a biografia

"Compreender um drama é a mesma operação mental que compreender uma existência, uma biografia, um homem: é obrigar o pássaro a voltar para seu ovo, a planta para a sua semente, e constituir toda a gênese do ser em questão. A arte não é senão o ato de por em relevo o pensamento obscuro da natureza; é a simplificação das linhas e o desprendimento dos grupos invisíveis. O fogo da inspiração faz ressaltarem os desenhos traçados a tinta simpática: o misterioso torna-se evidente, o confuso torna-se claro, o complicado torna-se simples, o fortuito torna-se necessário. Em uma palavra, a arte revela a natureza traduzindo as suas intenções e formulando as suas vontades – o ideal. Cada ideal é a solução de um grande enigma. O grande artista é um simplificador".

Henry Amiel

Se levarmos em consideração as observações do psicólogo Peruano Honório Delgado sobre a vida humana, atentaríamos para o fato de que há três maneiras de se conhecer um indivíduo:

  • pela sua presença e pelo seu modo de ser, sempre de difícil tradução, mas que só poderiam ser captados por alguém que o conhecesse diretamente;
  • pelas peculiaridades dos atos tomados em um ou outro momento e que expressam a sua tentativa de resolver certos impasses que a vida lhe apresenta;
  • por certa linha de continuidade que ele foi imprimindo a própria vida, ou melhor, pela fisionomia e pelo contorno que uma vida toma por estar submetida a realização de um projeto vital. 

Para o psicólogo peruano, a fórmula máxima com que se poderia conhecer uma pessoa é aquela que se encontra expressa no terceiro item, a que ele dá o nome de biografia. Esta seria não somente a fonte mais preciosa, mas também o único acesso para um contato realmente revelador, suscetível de dar vislumbres sobre o que há de mais característico e singular num indivíduo.

Não podemos nos esquecer também que a biografia é definida como "o desenho, a grafia da vida". E isto porque cada vida humana toma um desenho, uma forma, sendo tal forma descrita por uma equação que sintetiza as maneiras como um indivíduo viveu e experimentou tudo que se colocou a sua frente e diante do quê procurou de agir de acordo com a sua consciência e vontade. Se soubermos analisar uma vida através desta dimensão biográfica e detectarmos as coordenadas preferenciais da ação individual, procurando entender as direções para as quais o sujeito levou a própria vida e acabou escrevendo a sua própria história, compreenderemos as experiências humanas que ele mesmo elegeu para a edificação do seu projeto vital – compreendendo, assim, as Casas Astrológicas onde os sete planetas pessoais se encontram em seu mapa.

A biografia ou a análise biográfica é, portanto, o método de que a Astrocaracterologia se utiliza para demonstrar e verificar a sua própria teoria, a saber, de que as casas astrológicas ocupadas pelos planetas pessoais designam as experiências humanas para as quais cada uma das faculdades cognitivas está direcionada, revelando como o indivíduo, afinal, percebe, sente e lida com o mundo que o cerca.  

Para esclarecer tal método, é necessário dar um breve exemplo:

  • Fernando Pessoa teve toda uma vida voltada para salvar a sua pátria da grande derrocada histórica na qual havia entrado depois da expansão marítima. Disse que faria isto através da escrita. Para isso, multiplicou-se em vários poetas, pois para persuadir os portugueses que estava ocorrendo uma verdadeira revolução cultural em seu país – ou seja, para persuadir a coletividade e os muitos – ele teve que se tornar vários, escrevendo sob o pseudônimo de inúmeros poetas e intelectuais. Esse fenômeno, chamado de heteronímia, deixa a entrever uma fórmula curiosa, muito bem expressa no ditado “uma andorinha só não faz verão”:  a de que um indivíduo, por si só, não tem poder para fazer frente à coletividade e à nação;
  • Adolph Hitler teve toda a sua trajetória de vida voltada para se adequar ao papel que o Estado Alemão necessitava: a de um porta-voz que pudesse levar a Alemanha a categoria de império. Papel de que ele se investiu e que lhe conferiu o poder que sempre desejou, dado que já havia confidenciado em seu diário que não sentia ter poder algum;
  • Oscar Wilde teve a sua vida quase que completamente absorvida por um episódio: a prisão na Inglaterra, sob a acusação de homossexualidade. Uma prisão que muitos dos seus contemporâneos diziam que ele poderia ter evitado. No entanto, não evitou. E por quê? Porque, de acordo com o pensamento da sua mãe irlandesa, um verdadeiro irlandês jamais se deixaria abater e se humilhar por uma acusação feita por ingleses e que, independentemente da veracidade da acusação, o filho teria de levar esse julgamento até o fim, assumindo a sua condição de irlandês, isto é, daquele que jamais se curva perante a um inglês. Este episódio mostra claramente que o escritor assumiu um papel muito específico, sob a pressão maternal:  o de representante de uma nação. 

O que percebemos nestas três vidas? Na primeira, o sujeito agiu como se um único indivíduo não tivesse poder sobre a nação; o segundo conquistou o poder individual que tanto ansiava à medida que se tornava representante de uma nação, afundando com seu poder outras nações; o terceiro também assumiu o papel de representante de uma nação, mas não afundou outras nações e, sim, a própria vida.  

Três vidas, como se vê, em muito diferentes. Mas apesar de serem histórica e materialmente diferentes, elas possuem algo em comum:  um drama de natureza hierárquica e social, perante o qual cada um dos seus autores deu uma resposta e uma resolução bastante diferenciada. No entanto, eles não são iguais somente por compartilharem um drama biográfico cuja natureza é igual, pois quando levantamos os seus mapas, percebemos que todos possuem uma mesma configuração astrológica: saturno na casa dez.

É esta configuração astrológica que nos revela a experiência humana que fundou, para estes indivíduos, a base das suas generalizações mais importantes e duradouras, isto é, as crenças e idéias que desenvolveram em relação a uma experiência muito particular: a posição do indivíduo dentro da estrutura hierárquica e o poder que se obtém através dela. Por certo, como diz o próprio Olavo, “partindo de uma experiência estreita e de generalizações mal embasadas, um indivíduo poderá depois, quer pela constante autocorreção do pensamento racional, quer pelo apoio das demais faculdades, corrigir essas generalizações e, artificialmente, ir ampliando sua visão do mundo. Mas os dados iniciais que fundaram as primeiras generalizações estarão sempre presentes, corno origem superada, mas não revogada - de uma imagem do mundo.”

O propósito mesmo da análise biográfica é detectar a experiência humana sobre a qual a razão individual se debruça, bem como as outras experiências sobre as quais se debruçam as outras faculdades cognitivas, através das quais o indivíduo acaba por construir uma visão e uma imagem muito particular do mundo, em suma, uma “cosmovisão individual”.   A análise biográfica tem, assim, por objeto de investigação a cosmovisão individual, ou seja, a estrutura atencional subjacente a uma vida historicamente concretizada.  

Esta constitui a primeira etapa do método empregado pela Astrocaracterologia para demonstrar e verificar sua teoria: analisar uma vida humana, uma biografia e detectar a estrutura atencional subjacente a mesma. A segunda é verificar se essa estrutura atencional corresponde ou não a posição dos sete planetas pessoais em uma das doze casas do mapa astrológico do biografado. Por isso é que, para a plena realização da primeira etapa, não é possível considerar o mapa astrológico do biografado, cuja vida está sendo investigada. Temos que fazer a análise biográfica obrigatoriamente sem conhecer tal mapa. Caso contrário, estaremos submetendo a vida ao mapa, quando na realidade o propósito da Astrocaracterologia é verificar se há mesmo ou não alguma correspondência o mapa e a vida, especificamente entre as casas astrológicas ocupadas pelos planetas pessoais e as experiências para as quais a atenção individual está voltada - as grandes premissas da sua teoria.

Afinal, uma teoria pode ser bastante coerente e estar fundada em premissas muito sólidas. No entanto, é necessário ter um método que permita verificar suas assertivas. E o método do qual a Astrocaracterologia lança mão é esse, a biografia. 

 

4- limite e valor do diagnóstico astrocaracterológico

"A reabsorção das circunstâncias é o destino concreto do homem."

Ortega Y Gasset

É importante frisar que o indivíduo do qual a Astrocaracterologia fala é um indivíduo abstrato, ideal e não um indivíduo de carne e osso. É o modelo ou a figura sonhados por alguém, aquilo que se torna o objeto da sua mais alta ambição afetiva espiritual. Por isso, jamais podemos dizer que o mapa astrocaracterológico descreve o que somos, mas, sim, o que pretendemos ser - e isto se nos esforçarmos para tal. Afinal, a força dos acontecimentos pode ser muito mais forte do que a nossa determinação caracterológica.

Vemos, assim, que esta determinação de base e inata nem sempre se torna a expressão final e literal de uma vida e de um destino humano. Isto só acontece em casos muito privilegiados, em que o indivíduo se torna o autor dos acontecimentos, pela força da sua vontade; é auxiliado pelas circunstâncias momentâneas e históricas; é auxiliado pela sorte. Desse modo, entre aquilo que é ditado pela própria natureza caracterológica e as circunstâncias pode se estabelecer tanto uma zona de atrito como de harmonia. Por isso, todo ser humano deve encontrar um encaixe entre as circunstâncias externas e a forma individual interna; deve encontrar uma resolução dialética entre o que se é e as circunstâncias, sendo um destino a resultante de ambos os fatores.

A personalidade concreta é, assim, o resultado desse confronto, do caráter com as circunstâncias. Mas como o caráter constitui a dimensão cognitiva da personalidade e como ele determina o modo como um indivíduo vê, sente e lida com o mundo que o cerca, entendemos como esse indivíduo procura a todo custo construir e edificar a própria a vida. Entendemos, em suma, toda a promessa de realização que se encontra encerrada em sua natureza caracterológica. 

Daí a importância e o valor do diagnóstico astrocaracterológico.

 

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Edil Carvalho

É Astrólogo e doutor em filosofia antiga. Começou os estudos de astrologia como autodidata em 1985 e, paralelamente, foi consolidando a formação em instituições diversas. Desde então, desenvolveu o projeto Astrologia & Cinema: Uma Cosmovisão, onde procura relacionar a obra de vários cineastas com determinados padrões astrológicos existentes em seus mapas.


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