Richard Malcolm Weaver Jr. (1910-1963) foi um historiador, intelectual e filósofo conservador do século XX. Ex-socialista, foi criado por sua mãe com fortes valores morais, futuramente considerando a religião como a base da família e da civilização. Apesar das difíceis circunstâncias de sua família após a morte prematura de seu pai, Richard foi considerado um dos intelectuais mais bem-educados de sua época. Descrito como “solitário e distante”, foi capaz de focar-se em suas atividades acadêmicas, o que lhe rendeu diversos prêmios. Richard ganhou um A.B em inglês pela Universidade de Kentucky, fez mestrado de inglês na Universidade de Vanderbilt e lecionou por alguns anos em outras faculdades. Fez Ph.D. na Louisiana State University, onde foi premiado. Lá conheceu o filósofo Eric Voegelin, um conservador importantíssimo da época. Em 49, Weaver recebeu o Prêmio Quantrell, graças ao seu ensino excepcional. Morreu no dia 1 de abril de 1963, vítima de uma hemorragia cerebral. Um ano depois, o Instituto de Estudos Intercolegiais criou uma bolsa de estudos de pós-graduação e, em 1983, o Rockford Institute estabeleceu o prêmio anual de Richard M. Weaver de “Scholarly Letters”. Além de seus inúmeros prêmios, seu livro As Ideias Têm Consequências permanece até hoje influente entre os teóricos conservadores e os estudiosos da modernidade.
A obra de Richard Weaver é de suma importância e As Ideias Têm Consequências possui grande destaque no mundo conservador. No livro, Weaver fala sobre a Idade Moderna e procura explicitar sua enfermidade – ou, popularmente falando, “toca na ferida” – e identificar suas causas: em geral, ele aponta o nominalismo[1] (doutrina que nega a existência dos universais) como a principal delas. O livro possui 11 capítulos densos, embora concisos, e explica, com excelência, o trajeto ideológico de todas as áreas da sociedade até o culminar de nossos tempos doentios.
As Ideias Têm Consequências
Logo no primeiro capítulo, Richard aborda a oposição sentimentalismo x brutalismo. Com o sentimentalismo, o homem torna-se um romântico: priva a si mesmo do real e perde-se no ideal. Numa espécie de subjetivismo aterrador, o sentimentalista, sem um centro organizador, vive dentro de suas projeções afetivas, imerso num emaranhado de incógnitas abstratas precursoras da desarmonia e do conflito interno. Inversamente, no brutalismo o homem torna-se um destruidor de qualquer potencial imaginativo ou formal; trata as formas como máscaras da verdade e a imaginação como potenciais adornos e enfeites. Insistentemente exige ver a coisa “como ela é”, mas, sem a mediação da imaginação, em verdade, a relação passa a ser de “uma coisa com outra”, já que tanto o homem quanto o mundo externo são tratados como fatos empíricos brutos.
A solução está em atribuir o devido peso e importância a cada uma das partes. A visão metafísica — aquele sentimento intuitivo a respeito do caráter transcendente da realidade — deve atuar como princípio organizador: toda e qualquer forma de conhecimento a favorecerá. A razão abandonada a si mesma não funciona; tanto as ideias quanto as crenças são reportadas com fins comprovativos: antes de sermos postos a pensar, somos atraídos a tal pensamento em razão de um interesse afetivo. O sentimento é anterior à razão, tal qual a visão metafísica é anterior ao sentimento.
A visão metafísica, portanto, será simultaneamente uma seta e um centro: seta porque aponta a direção em que iremos, isto é, atribui sentido ao conjunto de experiências que, sem ela, seriam opacos; centro porque tudo girará ao seu redor, e tudo a favorecerá e a comprovará.
Contudo todos temos, no fundo, tal visão. Mesmo o pirronista mais cético ou o ateu mais frio a possuem. O exemplo clássico é o ateu que grita “Ai, meu Deus!” quando percebe que seu avião está caindo. O que nos resta é aceitá-la: sem isso, somos todos frutos de um evento biológico do acaso, um conjunto de unidades amorfas com peso e massa; somos animais buscando por divertimentos que nos distraiam de nossa miséria.
Não podemos deixar de considerar também, é claro, a margem que tal negação abre ao relativismo. Isso é urgente àquele que nega o transcendente, isto é, àquele que trata uma escultura como uma rocha insignificante e equipara a música a um barulho como qualquer outro, vendo tudo como mero interpretacionismo subjetivo. Nossas ideias viram apenas “conveniências”, e o ato mais heróico predica-se em “útil” ou “inútil”, apenas. Trataremos das outras consequências no decorrer do texto.
Seguindo no livro, Richard fala dos conceitos de liberdade e de igualdade. Ambos amplamente desenvolvidos teoricamente graças ao Iluminismo e, socialmente, então, graças à Revolução Francesa. Apesar da máscara ideal e fantasiosa que os ronda, Richard os coloca em seu devido lugar.
Weaver critica fortemente a social-democracia, visto que esta se apoia em ideais que ela mesma não cumpre, tão só “fraudes verbais”. Ao afirmar a igualdade, por exemplo, assumem-se duas possibilidades: prometer a igualdade perante a lei e prometer a igualdade de condições. Ao afirmar a primeira, como diz Weaver, “não faz nada além do que impérios e monarquias têm feito e, portanto, não pode usar isso como pretexto para afirmar sua superioridade”. Buscando, então, a igualdade de condições, promete a injustiça, porque “ter a mesma lei para o boi e para o leão é algo tirânico”. Somente o despotismo poderia impor algo tão irreal, e isso explica o porquê de os governos modernos terem se tornado, de um modo ou de outro, despóticos.
O grande erro do ideal igualitário é afirmar que a distinção é criminosa. A fraude verbal a que nos referimos concerne-se a isto: o sistema de eleição da democracia é o que se não uma discriminação? Um sistema que afirma-se a si mesmo como promovedor da igualdade merece um líder não por eleição, mas por sorteio. E a inviabilidade disso na prática comprova o nosso ponto: a distinção é necessária, visto que ela compromete a própria hierarquia de um sistema, e um sistema sem hierarquia carece de ordem e justiça.
Muito mais justo é o sentimento de fraternidade, proposto por Weaver: o fraterno contempla o irmão mais novo e mais imaturo e contenta-se com sua ausência de responsabilidades; admira o irmão mais velho que, por ter mais idade, carrega deveres mais árduos. A fraternidade é, portanto, um sentimento que reconhece as afinidades e deveres de cada indivíduo como membro de uma comunidade e reconhece a importância de cada elemento para o funcionamento do todo. Enquanto o igualitário volta-se aos seus próprios direitos, o fraterno, superando esse egocentrismo, foca-se em seus deveres. Só com o espírito de fraternidade poderemos, um dia, contemplar um sistema justo e harmônico, onde o trabalho será visto como um serviço honroso, necessário ao funcionamento da sociedade.
Indo além, agora falando mais especificamente da liberdade, podemos afirmar que o homem que compartilha deste ideal sugere que o homem é como uma semente, que possui um esquema imanente de germinação — o que se assemelharia com uma espécie de “determinismo naturalista”. Isso justifica quase toda a filosofia socialista: se o homem não se encontra em seu estado emocional, intelectual e econômico perfeitos, há algo de errado na sociedade, mas nunca nele próprio. Fazendo uma crítica mais atual, esperamos que você, leitor, não cogite acreditar que as ONGs de “direitos humanos” e os governos ocidentais de esquerda tenham deduzido tais presunções de direitos através de grandes investigações ontológicas e existenciais; pelo contrário, são reflexos da mentalidade infantil que pressupõe a liberdade como grande causa do desenvolvimento social, mas que, ao mesmo tempo, impõe direitos não imanentes à existência, tornando obrigatório a alguém assegurá-los e, subsequentemente, corrompendo a liberdade deste.
Tendo esclarecido tais termos e suas implicações, podemos nos voltar aos grandes estimuladores e perpetradores de tudo isso: Richard apelida o conjunto imprensa, cinema e rádio de A Grande Lanterna Mágica. Isto porque sua função é a de projetar imagens selecionadas da vida, na esperança de que toda a população as imite. A Grande Lanterna nos diz os momentos adequados para rir e para chorar, o que contemporaneamente poderíamos chamar de “politicamente correto”.
A Grande Lanterna Mágica, com seu grande alcance, dissemina à população inteira estereótipos que sirvam ao ideal do progresso social. Com o jornal, essa tarefa fica fácil. Já com o cinema, o foco é trazer filmes com o propósito de entreter, mas que, no fundo, apresentem grande indiferença aos verdadeiros problemas da vida. O filme passa a ser um produto tão engenhoso e falso como uma propaganda. Como diz Weaver, o espectador é capaz de “ver os muros de Jerusalém, Atenas e Roma desabarem e não ver nisso tragédia alguma”. Por fim, com o rádio e a televisão, a vítima é persistentemente perseguida até que seja capturada. Com o seu grande poder de presença, poucos são os que sobrevivem ao mentiroso alegre que é o rádio. Hoje, ainda, temos um quarto pilar: a internet, que desempenha funções bem análogas.
Os operadores da Grande Lanterna têm interesse, então, de manter a população afastada das realidades mais profundas. O filósofo, nesse sentido, é um “notório mal consumidor” e, mais do que isso, uma influência perturbadora aos interesses da Lanterna.
A única esperança que nós, modernos, temos é o sentimento de piedade e justiça. Para Sócrates, a piedade consiste na cooperação com os deuses na ordem por eles instaurada, que é nada mais nada menos que uma parte do conceito amplo de justiça. Sendo mais didático, Weaver, encaminhando-se para o último capítulo, separa em três as coisas às quais devemos nos voltar com espírito de piedade: as substâncias da natureza, do próximo e do passado.
Em relação ao primeiro, é claro o posicionamento dos homens modernos. Eles veem a natureza como um objeto a ser superado, a ser transcendido. A infantilidade que permuta esse pensamento é clara e a frustração ao falhar é imediata. Este mundo é o próprio meio em que agimos, e a pergunta que fica é: como poderíamos jogar xadrez usando técnicas do judô? Não podemos, por definição, superar o meio em que agimos, utilizando-nos deste próprio meio. É uma contradição em termos. Nos resta, portanto, assumir a natureza não como obstáculo, mas como base da ação moral. Enquanto não, continuaremos dando “murros em ponta de faca”.
Dando luz ao segundo ponto, que diz sobre a “substância dos outros seres”, Weaver fala sobre o egoísmo do homem moderno, que comete o crime do fratricídio. A única solução para enxergar a substância do outro é justamente vê-lo como um ser, assim como você, imerso no drama humano, que carece de respostas e transborda de perguntas e que compartilha a existência contigo, isto é, vive o mistério que é viver: não sabe de onde veio e não sabe, com certeza, para onde vai. Pensá-lo dessa forma é o princípio para a caridade e a tolerância. Reconhecer a substância dos outros seres é, portanto, reconhecer o não eu, o outro.
O crime do parricídio concerne à terceira problemática: a substância do passado. O homem moderno freneticamente tenta nos excluir da história - o que não deixa de ser, também, uma forma de egoísmo. Mas lembremos que, na condição de criaturas reflexivas, temos apenas o passado. A epistemologia prova que a sensação de contiguidade é essencial ao nosso entendimento e conhecimento. A consciência do passado refreia o otimismo, pois nos ensina a ser cautelosos na consideração da perfectibilidade do homem e a avaliar sobriamente os projetos de renovação das espécies. O homem moderno nega-lhe a substância ou porque o passado o confunde ou porque o inibe. Richard diz: “Se os confunde, não refletiram o bastante sobre ele; se os inibe, deveríamos lançar um olhar curioso sobre os projetos que eles estão executando”. O passado é, portanto, o único determinante do presente que, junto ao passado, é o único determinante do futuro.
Porém, para que toda essa mudança ocorra, tenha em mente que a restauração tem o seu preço. No final do último capítulo, Richard deixa algumas perguntas aos homens modernos: “Vocês estão dispostos a aceitar que a lei das recompensas é inflexível e que é impossível, com astúcia ou queixas, obter mais do que lhes é dado? Vocês estão preparados para assumir que o conforto pode ser uma sedução e que o fetiche da prosperidade material terá de ser posto de lado em favor de um ideal mais austero? Vocês percebem a necessidade de aceitar alguns deveres antes de começar a falar em liberdades?”. Se a resposta for “sim” a tudo, provavelmente você já sabe que estamos localizados no declínio da humanidade e que, apesar das dificuldades, tem a Verdade ao seu lado, como uma genuína consoladora. Se a resposta a uma ou mais questões for “não”, o que podemos te aconselhar é que busque incansavelmente, com sinceridade e comprometimento, o conhecimento da verdade – isto, é claro, até onde seus braços podem alcançar.
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