O Propósito Conservador de uma Educação Liberal

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Traduzido por Guilherme Cintra
07 de junho de 2022

Por Russell Kirk

Nosso termo “educação liberal” é muito mais antigo que o uso da palavra “liberal” como um termo político. O que chamamos agora de “estudos liberais” remonta aos tempos clássicos; enquanto o liberalismo político começa apenas na primeira década do século XIX. Por “educação liberal”, entendemos uma ordenação e integração do conhecimento para o benefício da pessoa livre — em contraste com a escolaridade técnica ou profissional, agora um tanto chamada de “educação profissional”. A ideia de uma educação liberal é sugerida por duas passagens que citarei para você. A primeira delas é extraída de Metafísica de Sir William Hamilton:

“Então, a perfeição do homem como um fim e a perfeição do homem como um meio ou instrumento não são apenas diferentes, elas são, na realidade, geralmente opostas. E como essas duas perfeições são diferentes, o treinamento requisitado para sua aquisição não é idêntico e, portanto, tem sido adequadamente distinguido por nomes diferentes. Um é denominado liberal, o outro educação profissional; os ramos do conhecimento cultivados para esses fins sendo chamados, respectivamente, de ciências liberais e profissionais, ou ciências liberais e lucrativas”.

Você observará que Hamilton nos informa que não se deve esperar ganhar dinheiro com a proficiência nas artes liberais. O objetivo mais elevado do “homem como um fim”, ele nos diz, é o objeto do aprendizado liberal. Essa é uma advertência salutar em nosso tempo, quando mais e mais os pais jogam seus filhos, meninos e meninas, nas escolas de administração de empresas. O que Sir William Hamilton quis dizer com “homem como um fim”? Ora, ele quis dizer, em outras palavras, que a função do aprendizado liberal é ordenar a alma humana.

Agora iremos para minha segunda citação, que tomo de James Russell Lowell. O estudo dos clássicos, escreve Lowell, “é apropriadamente chamado de educação liberal, porque emancipa a mente de todo provincianismo estreito, seja de egoísmo ou tradição, e é o aprendizado que cada um deve tomar parte antes de se tornar um irmão livre na corporação que passa a tocha da vida de uma era para a outra.”

Para colocar essa verdade de outra maneira, Lowell nos diz que uma educação liberal tem a intenção de nos libertar do cativeiro do tempo e do lugar: permitir-nos ter opiniões de longo alcance, entender o que é ser totalmente humano — e ser capaz de transmitir a gerações ainda não nascidas nosso patrimônio comum de cultura. T. S. Eliot, em suas palestras sobre “Os Objetivos da Educação” e em outros lugares, elaborou o mesmo argumento não há muitos anos. Nem Lowell nem Eliot trabalharam sob a ilusão de que a disciplina liberal do intelecto pavimentaria o caminho da riqueza.

Então, você perceberá que, quando eu falo do “objetivo conservador” da educação liberal, não quero dizer que essa escolaridade seja um suporte para os negócios, a indústria e os interesses materiais estabelecidos. Por outro lado, nenhuma educação liberal deveria ser um meio de derrubar a economia e o próprio Estado. Não, a educação liberal realiza seu trabalho de conservação de uma maneira diferente.

Quero dizer que a educação liberal é conservadora desta maneira: ela defende a ordem contra a desordem. Em seus efeitos práticos, a educação liberal trabalha pela ordem na alma e a ordem na república. A aprendizagem liberal permite que aqueles que se beneficiam com sua disciplina alcancem algum grau de harmonia dentro de si. Como John Henry Newman colocou, no Discurso V de seu A Ideia de Universidade, por uma disciplina intelectual liberal, “é formado um hábito mental que dura a vida toda, cujos atributos são liberdade, equitabilidade, calma, moderação e sabedoria; aquilo que... Arrisquei chamar o hábito filosófico da mente”.

O objetivo principal de uma educação liberal, então, é o cultivo do próprio intelecto e da imaginação da pessoa, para o bem da própria pessoa. Não se deve esquecer, nesta era massificada em que o Estado aspira a ser tudo em tudo, que a educação genuína é algo além de um instrumento de política pública. A verdadeira educação visa desenvolver o ser humano individual, a pessoa, em vez de servir ao Estado. Em toda nossa conversa de “servir metas nacionais” e “educação para a cidadania” — frases que se originaram com John Dewey e seus discípulos —, tendemos a ignorar o fato de que a escola não foi originada pelo moderno Estado-nação. A educação formal começou como um esforço para familiarizar a geração em ascensão com o conhecimento religioso: com a consciência do transcendente e das verdades morais. Seu objetivo não era doutrinar um jovem na educação cívica, mas ensinar o que é ser um verdadeiro ser humano, vivendo dentro de uma ordem moral. A pessoa tem prioridade na educação liberal.

No entanto, um sistema de educação liberal tem um objetivo social, ou pelo menos, também, um resultado social. Ele ajuda a fornecer à sociedade um corpo de pessoas que se tornam líderes em muitas esferas da vida, em grande ou pequena escala. Era a expectativa dos fundadores das primeiras faculdades americanas que fossem graduados daquelas pequenas instituições jovens profundamente instruídos em velhas disciplinas intelectuais, que nutririam no Novo Mundo o patrimônio intelectual e moral recebido do Velho Mundo. E, geração após geração, as faculdades americanas de artes liberais (peculiares à América do Norte) e, mais tarde, as escolas e os programas de artes liberais das universidades americanas formaram jovens, homens e mulheres, que levedaram a massa da nação em expansão, tendo adquirido certo grau de um hábito filosófico da mente.

Você já deve ter percebido que não acredito que seja a principal função da educação formal “preparar meninos e meninas para empregos”. Se todas as escolas, faculdades e universidades fossem abolidas amanhã, a maioria dos jovens ainda encontraria emprego lucrativo, e meios existiriam, ou seriam desenvolvidos, para treiná-los para seus tipos particulares de trabalho. Em vez disso, acredito que seja a missão conservadora da aprendizagem liberal desenvolver a reta razão entre os jovens.

É verdade que poucos membros da equipe de faculdades de artes liberais se ressentem em ouvir que a missão deles é uma missão conservadora de qualquer tipo. Quando certa vez fui convidado para dar uma série de palestras sobre o pensamento conservador em uma faculdade há muito estabelecida, um certo professor questionou indignado: “Ora, não podemos ter esse tipo de coisa aqui — esta é uma faculdade de artes liberais!” Pensava, sem dúvida sinceramente, que a palavra “liberal” implicava lealdade a alguma ortodoxia política sombria, relacionada de alguma forma ao New Deal e seus programas sucessivos. Essa era a extensão de sua educação liberal. No entanto, quaisquer que sejam os preconceitos políticos particulares de professores, a função da educação liberal é conservar um corpo de conhecimento recebido e transmitir uma apreensão da ordem para a nova geração.

Também não acho que seja função da educação genuína criar uma espécie de sociedade de pudim-tapioca, na qual todo mundo seria como todo mundo — todo jovem, talvez, a ser um eventual recipiente de um doutorado, mesmo que completamente inocente de filosofia. Em vez disso, um resultado altamente benéfico da educação liberal, mais uma vez conservador, é que ela oferece à sociedade um corpo de jovens, introduzidos em certo grau na sabedoria e virtude, que podem se tornar líderes honestos em muitas esferas da vida.

Nesse ponto, alguém pode murmurar, conscientemente: “Um elitista!” Vivendo como vivemos na era da ideologia, quase todos somos tentados a acreditar que, se aplaudimos um rótulo quasi-político em uma expressão de opinião, temos-no abençoado ou condenado; não precisamos examinar a expressão por seus próprios méritos. Nos círculos educacionistas, “elitismo” é um termo do diabo, pois todos não são como todos os outros, excepcionando privilégios imerecidos?

No entanto, na verdade eu sou anti-elitista. Partilho das objeções de T. S. Eliot à moderna teoria das elites de Karl Mannheim. Oponho-me particularmente a esquemas de governança da sociedade por elites especializadas e tecnológicas formalmente treinadas. Uma das minhas principais críticas às tendências atuais no ensino superior é que, apesar de muito jargão sobre campi democráticos, realmente nosso aparato educacional tem criado não uma classe de jovens educados liberalmente, com perspectiva humana, mas uma série de elites diplomadamente dignificadas, uma suposta meritocracia de visões estreitas e credenciais intelectuais e morais duvidosas, inflada por aquele pequeno aprendizado que é mais verdadeiramente descrito pelo mordaz Tory Alexander Pope como algo perigoso. Vemos essas elites no seu pior estado na África e na Ásia “emergentes”, onde os ignorantes são oprimidos pelos um-quarto-educados; cada vez mais, embora menos ferozmente, elites similares nos ​​governam mesmo na América — através da estrutura política, através do império das escolas públicas, através das próprias igrejas.

Essas pessoas estavam na mente de George Orwell quando ele descreveu a elite dominante de 1984:

“...composta principalmente por burocratas, cientistas, técnicos, organizadores de sindicatos, especialistas em publicidade, sociólogos, professores, jornalistas e políticos profissionais. Essas pessoas, cujas origens estavam na classe média assalariada e nas classes mais altas da classe trabalhadora, foram moldadas e reunidas pelo mundo árido da indústria de monopólio e pelo governo centralizado”.

Agora, não é de todo o meu desejo que a universidade e a faculdade treinem essas elites. Quando digo que sentimos uma necessidade cada vez maior de aprendizado verdadeiramente liberal, estou recomendando algo para levedar a massa da civilização moderna — algo que nos daria um número tolerável de pessoas em muitos setores da vida que possuíssem um tanto de reta razão e imaginação moral; que não gritariam sobre o preço de tudo, mas saberiam o valor de algo; que seriam educadas em sabedoria e virtude.

Estou sugerindo que a faculdade e a universidade não devem ser fábricas de diploma: devem ser centros de estudos genuinamente humanos e genuinamente científicos, frequentados por jovens de saudável curiosidade intelectual, que realmente demonstram algum interesse na mente e na consciência. Estou dizendo que o ensino superior visa desenvolver ordem na alma, pelo bem da pessoa humana. Estou dizendo que o ensino superior visa desenvolver ordem na comunidade, pelo bem da república. Estou argumentando que um sistema de ensino superior que esqueceu esses fins é decadente; mas essa decadência pode ser detida, e a reforma e renovação ainda são possíveis. Estou declarando que a tarefa do educador liberal, em essência, é um trabalho conservador.

Quanto mais pessoas humanamente educadas, melhor. Porém, quanto mais pessoas que são metade-educadas ou um-quarto-educadas, pior para elas e para a república. Pessoas realmente instruídas, em vez de formarem elites presunçosas, permeiam a sociedade fermentando a massa através de suas profissões, ensinamentos, pregações, participando no comércio e na indústria, em cargos públicos em todos os níveis da comunidade. E sendo educadas, saberão que não sabem tudo; e que existem objetivos na vida além de poder, dinheiro e gratificação sensual; elas terão visões de longo prazo; elas olharão em frente para a posteridade e para trás para seus antepassados. Para elas, a educação não terminará no dia da formatura.

Pouco tempo atrás, eu falei em uma respeitável faculdade de artes liberais sobre o assunto da ordem e integração do conhecimento. Depois da palestra, vieram-me dois rapazes refinados, bem-vestidos, veteranos na graduação daquela faculdade; provavelmente eles eram estudantes “A”, talvez summa cum laude. Disseram-me que, até ouvirem minha palestra, não conseguiram descobrir nenhum padrão ou propósito na educação universitária que suportaram por quatro anos. Tarde me encontraram! Onde poderiam aprender mais?

Sugeri que se voltassem, antes de tudo, ao livrinho de C. S. LewisA Abolição do Homem; depois, ao Conhecimento Pessoal de Michael Polanyi e ao Order and Integration of Knowledge de William Oliver Martin. Se eu conversasse com eles hoje, teria acrescentado um livro importante que li desde então, The Road to Science and the Ways to God, de Stanley Jaki.

Esses dois jovens partiram em busca de sabedoria e virtude, das quais ouviram pouco em sua faculdade, e eu não os vi desde então. Confio que leram esses bons livros e se tornaram membros daquele Remanescente desconhecido (obscuro, mas influente como os verdadeiros formadores da opinião pública de Dicey) que flagela as loucuras educacionais de nosso tempo.

Se a faculdade e a universidade não fazem nada melhor do que agir como pretensiosas escolas de negócios; se seu principal serviço à pessoa e à república é o de atuar como agências de emprego — ora, tais instituições desumanizaram-se. Terão deixado de dar aos jovens a razão e a imaginação que levedam a massa de qualquer civilização. Em vez disso, elas nos darão uma elite estreita que governa uma sociedade monótona em declínio, regozijando-se no sábado do diabo de máquinas rodopiantes. Se permanecermos presunçosos e apáticos em um mundo curvado, deixando as obras da razão e da imaginação apodrecendo, todos conheceremos a servidão da mente e do corpo. A alternativa para uma educação liberal é uma educação servil. E quando as águas da enchente sumirem, como hoje, elas não se satisfarão em serem levadas pela corrente cantando aleluia ao deus do rio.

Alguns de vocês devem ter visto a edição de Literature and the American College de Irving Babbitt, que eu publiquei sob os auspícios do National Humanities Institute, e a edição de Democracia e Liderança de Babbitt, que publiquei pela Liberty Press. O aviso de Babbitt, em 1908, sobre a decadência da educação liberal assumiu um significado mais sombrio desde que ele escreveu. Permitam-me citar aqui as frases finais de seu Literature and the American College:

“Nossas faculdades e universidades não poderiam realizar um serviço melhor do que opor ao culto à energia e ao desejo frenético por ação uma atmosfera de lazer e reflexão. Temos que dar grande margem em nossas vidas ao “elemento eventual da calma”, se não devem degenerar-se na busca furiosa e febril da eficiência mecânica... A tendência de uma democracia industrial que se satisfaz apenas com o trabalho seria viver no perpétuo sábado do diabo de máquinas rodopiantes e chamá-lo de progresso... A situação presente, especialmente, não será salva — se é para ser salva — pelo que chamamos de agitação humanitária... Se nós mesmos aventurássemos em uma exortação ao povo americano, seria a de Demóstenes aos atenienses: ‘Em nome de Deus, eu imploro a vocês que pensem!’ De ação, teremos muito, em qualquer caso; mas é apenas por uma reflexão mais humana que podemos escapar das penalidades que certamente serão exigidas de qualquer país que tente dispensar de sua vida nacional o princípio do lazer”.

Por “lazer”, Babbitt significava oportunidade para séria contemplação e discussão. Atualmente, no campus típico — particularmente no vasto e confuso campus do que eu chamo de Universidade Behemoth — há muitas oportunidades para agitação ou ociosidade, mas as reivindicações do verdadeiro lazer acadêmico são negligenciadas. Muito mais também foi esquecido, especialmente a noção do hábito filosófico da mente.

Talvez eu tenha sido um pouco abstrato. Permitam-me, então, sugerir brevemente a relevância da educação liberal, em sua função conservadora, para nossos descontentamentos atuais.

Atualmente, visito frequentemente Washington — cidade da qual Joseph de Maistre disse que nunca poderia se tornar uma capital. Em certo sentido, De Maistre estava certo: Washington continua sendo uma cidade-dormitório e não uma verdadeira capital nacional, nenhum centro da reta razão e da imaginação, um confuso lugar de administração mais do que de decisão. Muitos amigos meus — alguns de minha idade, mas a maioria deles uma geração mais nova — assumiram cargos recentemente; eles professam sua ânsia por orientação.

Eles se vêem lutando para agir decisivamente dentro de uma vasta burocracia em proliferação, aparentemente interessada em seu próprio poder e preferência. Há necessidade urgente de grandes decisões; mas o pensamento é doloroso; e a burocracia prefere aparências e estagnação. Grandes decisões não podem ser adiadas por muito tempo, pois as preocupações estrangeiras e domésticas dos Estados Unidos não esperarão muito para obterem uma resposta.

Você deve se lembrar da lenda medieval de Frei Bacon e Frei Bungay. Bacon havia construído uma cabeça de latão, que ele esperava que falasse e revelasse o segredo de defender a Inglaterra contra seus inimigos. Mas, exausto por seu trabalho, Frei Bacon achou necessário cochilar enquanto esperava que os lábios de latão se abrissem; então ele nomeou seu aprendiz, Frei Bungay, para acordá-lo no momento em que a Cabeça pronunciasse uma palavra.

Enquanto o grande cientista dormia, o oráculo de latão começou a discursar pela Cabeça de forma tola. “O tempo é!”, proclamou a Cabeça. Ainda Bungay balbuciava. Então a Cabeça exclamou “O tempo era!”, e explodiu em mil fragmentos. Quando Bacon acordou, a oportunidade se perdeu para sempre.

Assim estão os assuntos em Washington hoje em dia. Decisões irrevogáveis devem ser tomadas antes que a maré nos assuntos dos homens comece a baixar. Os meus amigos que possuem uma educação liberal têm o tipo de razão e imaginação projetadas para nos fornecer decisões prudentes e de longo alcance. Mas eles representam uma pequena minoria entre os especialistas e técnicos, a elite, que domina a operação do enorme maquinário federal. E mais cedo do que esperamos, a Cabeça de Bronze pode trovejar: “O tempo era!”

Alguns anos atrás, o Presidente Nixon, durante uma conversa de uma hora, me perguntou: “Que livro devo ler?” Ele acrescentou que havia feito essa pergunta mais de uma vez para Daniel Patrick Moynihan e Henry Kissinger; mas eles haviam lhe dado listas de uma dúzia de livros, e o presidente, sob a pressão de seu escritório, só conseguia encontrar tempo para ler um livro seminal. Qual deveria ser?

Leia Notas para a Definição de Cultura de T. S. Eliot”, eu disse a Nixon. Ele queria saber o porquê.

“Porque Eliot discute as questões sociais definitivas”, respondi. “Ele lida com as relações que deveriam existir entre homens de poder e homens de ideias. E ele distingue melhor do que qualquer outra pessoa entre uma ‘classe’ de pessoas realmente instruídas e uma ‘elite’ de especialistas presunçosos — comentando o quão perigoso a última pode se tornar.”

O Presidente Nixon descobriu pouco tempo depois que a elite de seu governo era deficiente naquela sabedoria e naquela virtude tão necessárias na América. Um homem de educação liberal aprende com Platão e Burke que, em um estadista, a maior virtude é a prudência. O tipo de alta prudência exigida em grandes assuntos de Estado não tem sido encontrado com frequência em Washington nas últimas décadas. Uma razão para essa deficiência tem sido nossa negligência na América da educação liberal, conforme definida por John Henry Newman. Lembro-lhe agora da definição de Newman:

“Este processo de treinamento pelo qual o intelecto, em vez de ser formado ou sacrificado para algum propósito particular ou acidental, comércio ou profissão específica, estudo ou ciência, é disciplinado para si próprio, pela percepção de seu próprio objeto, e para sua própria alta cultura, chama-se Educação Liberal; e, embora não haja ninguém em quem ela seja levada até onde é concebível, ainda não há quase ninguém que possa ter uma ideia do que é o treinamento real, ao menos persegui-lo, e fazer de seu verdadeiro escopo, e não outra coisa, seu padrão de excelência”.

A verdadeira educação liberal, aquele padrão de excelência, aquele conservador da civilização, não é necessário apenas em Washington, mas em toda a nossa sociedade. A maioria dos possuidores de uma educação liberal nunca chega a sentar-se nos assentos dos poderosos. No entanto, eles levedam a massa da nação, em muitas estações e ocupações; nunca ouvimos os nomes da maioria deles, mas eles fazem seu trabalho conservador silenciosamente e bem.

Eu menciono aqui meu avô, Frank Pierce, gerente de banco. Embora ele tenha passado apenas um período na faculdade — estudando música na Universidade de Valparaíso –, ele era um cavalheiro liberalmente educado, pois a educação liberal pode ser adquirida em solidão, se necessário. No conselho da vila e no conselho escolar, ele era um pilar de probidade e inteligência. Com seu exemplo, cheguei a entender a natureza da sabedoria e da virtude.

Frank Pierce, possuindo quatro grandes caixas de bons livros — principalmente humanidades e obras históricas — conseguiu refletir sobre o esplendor e a tragédia da condição humana. Ele não era prisioneiro do provincianismo de lugar e circunstância, nem de tempo.

Essas pessoas conservadoras, dotadas de um entendimento liberal, têm tomado parte importante em dar orientação e coerência à nossa sociedade americana. Não sei o que nós, americanos, poderíamos ter se tornado se não tivéssemos tais homens e mulheres entre nós. Não sei o que faremos se eles desaparecerem do nosso meio. Talvez então nos reste celebrar o “sábado do diabo das máquinas rodopiantes”, supervisionado por especialistas — uma elite sem imaginação moral e deficiente em sua compreensão da ordem, da justiça e da liberdade. E depois disso, caos.

Muito precisa ser conservado nessas décadas finais do século XX, quando muitas vezes parece que “O Turbilhão é rei, tendo destronado Zeus”. Um benefício de uma educação liberal é uma compreensão do que Aristófanes quis dizer com essa linha — e de como Aristófanes, e Sócrates, retêm um alto significado para nós. Se você tem estudado Tucídides e Plutarco, apreenderá muito sobre o atual tempo de problemas; e se você não pode ordenar o Estado, pelo menos uma educação liberal pode ensiná-lo a ordenar sua própria alma no século XX depois de Cristo, como ensinou no quinto século antes dele.

Se, de uma maneira que é ao mesmo tempo conservadora, radical e reacionária, nos voltarmos à renovação da aprendizagem liberal, é possível que ainda possamos viver uma vida de ordem, justiça e liberdade. Mas se permanecermos presunçosos e apáticos em um mundo curvado, cada vez mais dominado por oligarcas esquálidos, conheceremos a servidão da mente e do corpo. Se nosso patrimônio é deixado de lado, como Edmund Burke lembrou sua época: “A lei é quebrada, a natureza é desobedecida, e os rebeldes são proibidos, expulsos e exilados deste mundo de razão, e ordem, e paz, e virtude, e penitência frutífera, para o mundo antagonista da loucura, discórdia, vício, confusão, e irremediável sofrimento.”

Quando a educação liberal é esquecida, entramos nesse mundo antagônico — ou, se preferir, do espaço para o anti-espaço, na “escuridão oca” de Milton.

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Russell Kirk

foi um filósofo político, historiador, crítico social, crítico literário, e autor literário conhecido pela sua influência no conservadorismo americano durante o século XX. Seu livro, The Conservative Mind, publicado em 1953, deu forma ao movimento conservador pós-Segunda Guerra Mundial.


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