Motivou-me a comentar a obra "Doze camadas da personalidade", de Murilo Frizanco, o fato de o autor ter omitido completamente crédito ao criador da teoria que nomeia o livro, Olavo de Carvalho. Adquiri a obra e, para minha surpresa e dos demais colegas que já a possuíam há algum tempo, inseriu-se, ao final da primeira edição, uma breve nota corrigindo o equívoco. Não obstante o deslize e sua sorrateira correção, porém justa, o conteúdo da obra merece uma análise honesta, contextualizando-a à luz da teoria conforme originalmente apresentada pelo professor.
Para o leitor que chegou aqui desavisado e não conhece a teoria das 12 camadas da personalidade, podemos defini-la em uma breve síntese. Segundo Olavo, "as camadas da personalidade correspondem a uma divisão cronológica ou pelo menos a uma escala de evolução ideal". Cada camada indica o fim, o propósito que a personalidade do sujeito busca satisfazer naquela etapa de seu desenvolvimento.
A exemplo, tomemos a primeira camada, cuja motivação é simplesmente manter-se na existência. Essa é a camada na qual se encontram os recém-nascidos. Para satisfazer o propósito dessa camada, a criança precisa comer, dormir, ou seja, atender às suas necessidades corporais mais básicas. Como segundo exemplo, a quinta camada da personalidade é aquela em que o indivíduo tenta provar, para si mesmo, que possui certas competências que lhe conferem alguma capacidade de resolução de problemas, ou seja, algum poder.
É essencial perceber que independentemente da camada que o indivíduo se encontra, ele continua tendo a necessidade de manter-se na existência, e que, portanto, a motivação da primeira camada nunca desaparece por completo. Assim, o propósito da camada atual não é o único levado em consideração pelo sujeito, mas indica a motivação resultante da somatória das justificativas de suas decisões, de modo que todas as camadas continuam relevantes mesmo após sua superação, mas com menor protagonismo. Com efeito, "cada camada abarca toda a personalidade, concretamente".
Com a expectativa de que tenhamos agora um contexto acerca das camadas da personalidade, concentremo-nos na obra de Murilo Frizanco. O livro se inicia com uma breve introdução que pretende definir o conceito de personalidade e como é possível desenvolvê-la. Imediatamente percebe-se que a obra se trata de anotações de algum curso. Evidência disso é a falta de zelo com o excesso de coloquialidade característico da língua falada, ao ponto de parecer uma transcrição crua de alguma aula.
O autor faz uso de uma analogia com o bordado, em que um tecido liso representa a personalidade, as linhas que serão adicionadas a esse tecido são entendidas como diferentes aspectos da experiência humana, e, por fim, as agulhas determinam quais linhas podem ser capturadas e trazidas ao tecido. Neste último item reside a única novidade teórica introduzida pelo livro: as agulhas que captam as facetas da realidade relacionam-se com sete faculdades da alma. São elas o Senso Comum, Razão, Apetite Concupiscível, Vontade, Apetite Irascível, Intelecto Ativo e Intelecto Passivo.
Embora haja sete faculdades, o autor associa apenas seis delas às agulhas. A vontade é tratada de forma diferente, como articuladora das demais. O ponto central da exposição, conforme proposta por Frizanco, são as agulhas, que agem como intermediadoras entre a personalidade e as experiências. Em verdade, cabe acrescentar aqui que essa ideia não é original do autor em questão, mas sim uma ideia apresentada por Ítalo Marsili em algum de seus cursos sobre as doze camadas, o que aumenta ainda mais a probabilidade de este livro se tratar de uma transcrição.
Essas seis faculdades da alma associam-se de forma interessante às doze camadas, de modo que cada uma das anteriores controla duas das últimas. Cada camada possui uma motivação, uma perspectiva pela qual o indivíduo capta experiências e justifica suas próprias ações e dos demais. Por exemplo, a agulha do senso comum controla as duas primeiras camadas, a do desejo de ser e a do desejo de representar, ou da hereditariedade, conforme originalmente caracterizada por Olavo.
Após a introdução, cada capítulo trata de desenvolver uma camada da personalidade, oferecendo a cada duas camadas uma breve explicação sobre as faculdades da alma, à medida que novas agulhas são introduzidas. Não cabe aqui abordar cada um desses capítulos, as exposições já são muito resumidas. Alguns exemplos a respeito de comportamentos típicos de cada camada são bons, outros deixam a desejar.
O capítulo que trata da quarta camada, motivada pela história pulsional e afetiva do indivíduo, é o mais extenso. Possui abundância de exemplos, já que estes estão disponíveis a granel na sociedade brasileira, que está soterrada quase permanentemente nessa camada. Segundo Olavo, um indivíduo só consegue compreender de fato as motivações de uma camada se ele mesmo estiver atualmente nela ou já a tiver superado. Portanto, não surpreende que essa seja a camada de maior interesse do brasileiro, visto que é a mais elevada que uma grande parte de nós conseguirá galgar.
No capítulo sobre a sétima camada, Frizanco explica como age "o camada 7". Essa é a camada dos papéis sociais, quando o cidadão percebe onde ele se encaixa na sociedade e que há uma relação de interdependência com ela. O autor preferiu caracterizar essa camada por outro aspecto, o do desejo de servir, e a exemplifica dizendo que esse sujeito "não está nem aí para dinheiro", que cumpre seu papel voluntariamente, nem que seja em prejuízo próprio. Em seguida é feita uma comparação com um "camada 4", que ao ver outro individuo agindo gratuitamente, diria "Você é um trouxa! Você é um trouxa de fazer isso e tirar do seu bolso".
Ora, a camada 4 é a do individuo que busca a afeição e aprovação dos outros, portanto ele também estaria disposto a agir voluntariamente, com motivações diferentes evidentemente, mas ainda assim não acusaria o individuo na camada 7 de estupidez por agir sem lucro em mente. Essa é uma acusação muito mais compatível com um sujeito na camada 6, o que finda sendo confirmado pelo próprio autor com o exemplo seguinte, que é essencialmente a mesma situação, mas com palavras diferentes e atribuída à camada 6.
Há pouco me referi a um sujeito na sétima camada como "o camada 7". É deselegante, mas o fiz propositalmente para exemplificar como o autor se refere aos indivíduos e as camadas em que se encontram. Essa linguagem contribui para a banalização da teoria em uma ferramenta de classificação, como signos e temperamentos. Por mais que alguém esteja preso em uma determinada camada, ele não se resume àquela camada, mas possui sempre todas as outras em estado latente e, portanto, tem o potencial para alcançá-las eventualmente.
O livro de Frizanco, apesar de ser significativamente mais longo do que o artigo original de Olavo, não acrescenta nada à teoria. Pelo contrário, pode-se ter a impressão de que subtrai. A teoria das doze camadas possui um potencial formidável, pois ao buscar descrever o desenvolvimento da personalidade humana através de uma perspectiva antropológica integral, acaba por articular as diversas abordagens psicológicas, consideradas quase absolutamente antagônicas entre si.
Um exemplo para que se entenda a enorme relevância desse esforço é a física teórica, que há décadas sonha com uma teoria unificada nesses moldes, que conciliaria a relatividade, a quântica e suas demais subdivisões. Não obstante, o livro não parece errar na exposição das motivações e características gerais de cada camada, sendo útil para introduzir a teoria a pessoas que a desconhecem por completo. Julgo, portanto, que o título da obra é demasiado ambicioso, "Uma brevíssima introdução às doze camadas da personalidade" seria um título mais justo.
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