Seis tipos de liberdade

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Traduzido por Valéria Campelo
07 de junho de 2022

Como muitas pessoas, tenho uma afeição reflexa pela palavra “liberdade”. No entanto, faço uma pausa quando questionado para explicar o que ela significa. A maioria das pessoas responde: “Significa fazer o que você quer”. Essa resposta comum fala por uma era — a nossa — que vê a autoexpressão e a satisfação pessoal como a chave para a autenticidade. Mas ao longo da história, várias culturas e civilizações tiveram conceitos de liberdade muito diferentes e, mesmo dentro de nossa própria tradição, o sentido nunca cessou de mudar.

O sentido grego de liberdade diferia do romano; o primeiro ideal cristão de liberdade diferia radicalmente do seu posterior; a liberdade no Renascimento significava libertar-se da suposta escuridão da religião e um retorno ao passado clássico iluminado; e pelo século XVIII a liberdade significava viver pela luz da pura “razão”. Então, novamente, no período romântico de 1780 a 1830, as pessoas se revoltaram contra a ideia da razão pura e fria, e buscaram a “verdadeira liberdade” no sentimento e na autoexpressão autêntica.

Em meados do século XIX, os liberais clássicos (tão distintos de seus irmãos modernos estadistas) começaram a estender essa ideia à vida política, exigindo a liberdade de toda autoridade injustificada — especialmente a do Estado. E, finalmente, nosso mais recente ideal de liberdade é um tanto paradoxal: queremos uma combinação de direitos individuais radicais, mas também uma vasta rede de seguridade a ser fornecida pelo Estado do bem-estar social. Essa combinação única e moderna podemos considerar como uma espécie de socialismo libertário, sob o qual os cidadãos possuem todas as liberdades pessoais, corporais e especialmente sexuais imagináveis, mas todas as realidades políticas, econômicas e sociais de sua existência são cada vez mais reguladas e controladas pelo Estado diretivo.

De qualquer forma, o conceito é tão multifacetado, que é quase impossível encontrar uma única definição de liberdade. Então, perguntei-me se uma abordagem melhor seria tentar uma classificação funcional dos diferentes tipos de liberdade. Existem pelo menos seis destes, como explicado abaixo. Antes de tudo, porém, há uma distinção muito importante que deve ser feita entre liberdade em sentido amplo e liberdade em sentido estrito, já que estas duas noções são frequentemente usadas de uma forma intercambiável.

Proponho que liberdade em sentido estrito seja usada para se referir à liberdade em seu contexto físico, e não a outros tipos de liberdade. Um homem na prisão, por exemplo, tem quase nenhuma liberdade, mas mantém toda a sua liberdade no sentido de que ele não perdeu a capacidade de escolher entre uma miríade de opções, atitudes e valores. Ele pode dormir, contar as milhas enquanto anda no chão ou escrever poesia. Ele também pode decidir mentir para o diretor para proteger um colega criminoso ou dizer a verdade. A maioria das pessoas, ao que parece, usa sua liberdade em sentido amplo para restringir sua liberdade em sentido estrito de todas as maneiras. Por exemplo, vender-se como escravo durante alguns anos costumava ser comum no mundo antigo. Às vezes, cidades inteiras vendiam-se como escravas de uma cidade vizinha em troca de proteção militar. E sempre houve pessoas que escolheram tornar-se eremitas ou monges, restringindo voluntariamente sua liberdade física na esperança de encontrar a liberdade espiritual. Menos drasticamente, a maior parte da vida moderna para todos é gasta livremente enredando-se a tudo que reduz a liberdade em sentido estrito. Hipotecas, empréstimos bancários, contratos, alugueis, negócios, promessas, obrigações familiares e pessoais são, na maioria das vezes, como usamos nossa liberdade em sentido amplo para restringir nossa liberdade física. De fato, um pouco de reflexão revelará que a maioria dos seres humanos, na maior parte do tempo, constrói um tipo de vida para si mesmo e depois se queixa de que gostaria de ser mais livre. Com esta distinção (espera-se) esclarecida, quero agora descrever os seis diferentes tipos de liberdade que me vêm à mente. O esforço será reembolsado se, da próxima vez que alguém perguntar a um leitor o que significa liberdade, eles puderem, por sua vez, questionar: “A que tipo você está se referindo?”.

Liberdade Interna

O primeiro e mais básico tipo de liberdade é corporificado pelo sujeito na cadeia. Ele tem toda a sua liberdade interna, mas não há liberdade. Todos os seres humanos normais nascem e permanecem livres no sentido mais importante de que estão para sempre e em todos os momentos conscientes, escolhendo livremente o que serem, e toda vida é uma delicada tapeçaria de milhões de escolhas pessoais, para o bem ou para o mal. Não podemos escapar desse tipo de liberdade, mesmo se tentarmos, pois se tentarmos deveremos então escolher livremente entre os meios de fuga, e assim por diante. Desta perspectiva, estamos condenados a sermos livres, pois mesmo a escolha de não escolher é uma escolha. A liberdade interior é da maior intimidade e sigilo pessoal, na verdade é o núcleo oculto do nosso ser e incognoscível para os outros. Distingue os seres humanos do reino animal e uns dos outros, e é a base sobre a qual somos capazes de nos tornarmos seres morais — ou amorais ou imorais. É por isso que algumas pessoas a chamam liberdade moral. Mas esse tipo de liberdade não é em si mesmo moral. Em vez disso, é a capacidade única que temos de nos tornar moral ou imoral de acordo com o modo como usamos nossa liberdade.

Autoliberdade

A maior parte da liberdade de que o mundo fala, pelo menos como nas grandes religiões e movimentos filosóficos, tem a ver com a liberdade de nós mesmos, no sentido de aprender a escapar do perigo sempre presente de escravidão de nossas próprias paixões e ignorância. Para os antigos, a autoliberdade tinha a ver com a prática do autocontrole, da restrição e do equilíbrio para alcançar a admirada relação senhor-escravo da alma sobre o corpo que eles tinham certeza de que é essencial para a boa vida. Nos tempos modernos, no entanto, esse ideal foi seriamente virado de cabeça para baixo com a expressão dos sentimentos, do “eu verdadeiro”, elevada à posição superior. O objetivo desse tipo de liberdade é, portanto, muitas vezes expresso como a necessidade de “me encontrar” (embora ninguém pareça se perguntar como saberíamos se o interesse próprio, ou o desejo próprio, é o eu verdadeiro). De qualquer forma, essa inversão da relação tradicional entre mente e sentimento, segundo muitos, produziu o que nossos antepassados teriam chamado de desordem da alma. Mas seja qual for o resultado, poucos modernos escapam a um diálogo vitalício consigo mesmo sobre esse tipo de liberdade.

Liberdade Externa (Às vezes chamada de “liberdade de…”)

Refere-se às liberdades normais e comuns esperadas na vida cotidiana, na maioria dos países, ao longo da história. Às vezes é descrito como liberdade, porque implica imunidade de interferência indevida pela autoridade, especialmente pelo governo. E é também às vezes chamado de “liberdade negativa”, que significa liberdade para fazer qualquer coisa não proibida pelas leis (em contraste com um sistema totalitário que diz que você só pode fazer o que é permitido pelas leis). Muitos na tradição ocidental consideram esta, em combinação com a liberdade política explicada a seguir, como o tipo mais importante de liberdade, e em sua forma mais antiga, o constitucionalismo liberal era sua expressão política no Ocidente. Essa forma política desde a era pós-Segunda Guerra mudou para uma espécie de estadismo igualitário.

Liberdade política (às vezes chamada de “liberdade para…”)

Tente imaginar um mundo em que você é governado por um tirano o qual permite que você faça o que quiser na segunda-feira, mas não na terça-feira, e assim por diante, de forma imprevisível. Você provavelmente concluiria que, quaisquer que sejam suas liberdades externas, elas são imprevisíveis demais para terem alguma utilidade. O que poderíamos chamar de “liberdade política” tem a ver com o estabelecimento de certos direitos previsíveis e permanentes de ação (quer os utilizemos ou não) e limites ao poder do Estado que ajudam a garantir a prática desses direitos. As liberdades políticas mais comuns são o direito de falar livremente, de se associar com pessoas de sua escolha, de possuir propriedade, de cultuar, de sair e reingressar em seu país para ser julgado por um júri de seus pares, para votar nas eleições (se você vive em uma democracia) e assim por diante. Quando esses direitos existem, podemos dizer que temos liberdade para fazer essas coisas (embora, para falar com sinceridade, só tenhamos liberdade para fazê-las se forem permitidas). Eles compreendem os direitos comuns associados a uma sociedade livre (que pode ou não ser democrática). Por exemplo, a Atenas antiga tinha todas essas coisas, mas não era democrática em nosso sentido moderno da palavra (até um terço dos cidadãos de Atenas eram escravos). A Inglaterra teve todos esses direitos dois séculos antes de se tornar democrática. A antiga União Soviética, por outro lado, prometia todas essas coisas aos cidadãos no papel, mas não as permitia na prática, porque o único sentido de liberdade esperado era a liberdade coletiva.

Liberdade coletiva ou “mais alta” (às vezes chamada de “liberdade para…”)

Muitos comentaristas sobre liberdade consideram que a liberdade externa e a liberdade política são apenas conceitos formais que nada significam para os pobres e desfavorecidos. Na verdade, elas geralmente chegam a uma receita de sociedade liberal caótica, um pesadelo incivil de vontades conflitantes e cidadãos desunidos correndo em busca de dinheiro para ver quem consegue morrer com mais brinquedos. O que é realmente necessário, eles argumentam, é uma “maior liberdade” baseada em uma vontade coletiva para alcançar o bem comum. Às vezes, isto é chamado de “liberdade positiva” ou “liberdade para”, porque se baseia em uma ideologia de unidade coletiva que prescreve valores e objetivos sociais e morais distintos para todos. Por exemplo, muitas vezes, sob esse ideal de liberdade, somente o Estado pode controlar a produção e o suprimento de todas as necessidades básicas dos cidadãos, dando-lhes a liberdade de querer. Os crentes da liberdade coletiva dizem que a ideia de proteger os cidadãos de seu próprio governo não é lógica se o governo é a personificação de sua vontade em primeiro lugar. Desnecessário dizer que esse tipo de liberdade, em nome da qual temos visto desastrosas tentativas totalitárias em nosso tempo, é o inimigo mortal do tipo de liberdade política encontrada sob o constitucionalismo liberal.

Liberdade Espiritual

Em sua forma mais pura, esse tipo de liberdade vem de uma completa identificação com Deus (ou a vontade de Deus, ou toda criação, por exemplo) para chegar a uma condição da alma que transcende a confusão e a desarmonia do eu e do mundo material. Existem muitos tipos aqui, mas ao extremo alguns perseguidores desse tipo de liberdade espiritual tomam uma entre duas rotas opostas. Eles se envolvem em uma espécie de libertinagem da carne, alegando que o corpo não tem importância alguma e, portanto, pode ser usado, abusado e desfrutado até que seja gasto (os místicos hippies que fumam maconha me vêm à mente). Ou, eles tomam a rota ascética e negam a carne completamente na crença de que as necessidades mundanas, os prazeres e os anseios impedem a realização de uma liberdade espiritual completa (penso em meu vizinho budista aqui). Para esse tipo, o controle estrito, se não a negação das seduções do corpo, leva à completa liberdade do espírito.

Isso é o melhor que posso fazer por agora. Este pequeno exercício me ajuda a pensar sobre a natureza da liberdade, e espero que tenha ajudado os leitores também.

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William Gairdner

é um atleta aposentado de atletismo que representou o Canadá nos 400 m com barreiras masculinas e no decatlo masculino nos Jogos Olímpicos de Verão de 1964 em Tóquio, Japão. Ele foi premiado com a medalha de prata em prova de decatlo nos Jogos Pan-americanos de 1963 no Brasil.


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