No julgamento sobre a educação domiciliar, ou “homeschooling”, realizado no dia 12 de setembro pelo STF, ficaram bem claras as intenções e a falta de visão sobre em que consiste realmente a educação. Alguns absurdos ditos pelos ministros deixam bem evidentes as intenções de quem está no poder. Como refutar os erros e más intenções e explicar os bastidores na íntegra tomaria muito tempo e o texto teria um tamanho inadequado para este local, vou explicar e contextualizar alguns deles, apenas:
Foi dito que, mesmo a escola sendo ruim e tendo seus problemas, não faria bem à comunidade simplesmente tirar seus filhos da escola para ensiná-los em casa. Antes, os pais deveriam se engajar mais e ajudar a escola a melhorar por dentro, e não em suas casas. Por que, então, esses pais não ajudam a melhorar a escola? Como podem ser tão egoístas assim?
Ora, você já entrou em uma escola pública ou privada para oferecer ajuda gratuitamente? Eu já. Mesmo se deixassem (também não há legislação a respeito dessa eventual sinergia e participação mais ativa da família), o processo de mudança efetiva seria tão lento que não haveria quase nenhum benefício em prol das crianças, com o risco, ainda, de ser anulado por meio de novas regulamentações, como o BNCC (Base Nacional Curricular Comum), o qual, padronizando o currículo, proíbe qualquer divergência contra ele. Nenhum pai ou mãe acharia razoável fazer isso antes de garantir a segurança dos próprios filhos e incentivar outras famílias a fazerem o mesmo. Não raro, a decisão da educação domiciliar ocorre por uma emergência. A ideia automática de inculcar o egoísmo desses pais por não ajudarem a comunidade é pior que golpe baixo, é uma manipulação. Explico.
Convidar os dissidentes de algo a participar e ajudar de forma comunitária, sendo membros de grupos de debates ou conselhos, é uma técnica muito utilizada para a mudança de opinião. Sua opinião será ouvida e descartada democraticamente, até que se sente vencido, mas feliz por ter tentado. (Charlotte Iserbyt explica isso em sua obra (1), ela mesma uma ex-agente treinada a mudar a opinião de dissidentes, e está descrito em manual de treinamento de agentes governamentais que, por acaso, possuo um exemplar).
Os ministros defenderam que liberar o “homeschooling” aumentaria ainda mais a evasão escolar, num país onde já é alta, e favoreceria a exploração de crianças para o trabalho infantil. Obrigar a criança a trabalhar e ajudar a família é lamentável, mas obrigá-la a frequentar uma escola fraca, perigosa, entediante, sem aprender praticamente nada por mais de 12 anos é algo louvável? (2) É importante mencionar que aprender a cuidar da própria casa e ajudar em tarefas domésticas é até considerado trabalho infantil por alguns “especialistas”.
Na mesma semana do julgamento, a mídia fez o favor de veicular diversas matérias falando sobre a quantidade de adultos analfabetos, dados sobre evasão escolar e a má qualidade dos nossos leitores — a metamensagem disso é que, se estão em casa por tanto tempo, como é que não aprenderam a ler sozinhas por contra própria? —, e após o julgamento do STF divulgaram amplamente que o Homeschooling foi proibido pelo STF. “Fake news” ou apenas erro?
Um dos ministros também falou que o “bullying” pode ser algo positivo, pois aprender como lidar com os problemas é importante. Eu imagino que ele estava se referindo a bullying como piadinhas ou pequenas humilhações na escola, mas não foi o que pareceu. Não se pode simplesmente juntar no mesmo termo as brincadeiras inofensivas ao verdadeiro bullying, onde traumas são possivelmente gerados para toda a vida. Por acaso você já leu relatos de crianças estupradas em escolas públicas, ou crianças apanhando e sendo torturadas pelos professores em creches? Fica feliz pelo desenvolvimento da criança ao ver vídeos de maus tratos? É indiferente aos vídeos e notícias de professoras sendo ameaçadas e agredidas em sala? Lendo relatos de consumo de drogas em escolas? As escolas públicas fazem vista grossa de tudo isso, porque a repercussão é avassaladora (para os responsáveis, claro): mídia, pais, polícia, inquéritos, processos, demissões. Um ministro afirmou que, em casa, os pais devem preparar as crianças para enfrentar esses problemas de “bullying”, o que seria, então, uma oportunidade de aprendizado. O que você sugeriria para um filho ou filha que chega em casa e diz que foi estuprado no banheiro da escola? Ou como reconhece um que simplesmente tem medo demais de contar e sofrer as consequências das ameaças que geralmente acompanham o ato?
Não estou dizendo que não haja abusos e violência em casa. De certo que há. Mas proibir uma criança abusada na escola de sair e estudar em casa sob a proteção dos pais, em prol do “bullying positivo” e da “socialização democrática” é uma alegação quase conivente com o crime encoberto. Além do mais, a criança que vai à escola e é abusada em casa, continua tendo contato com os criminosos, independente da matrícula e frequência escolar diurna.
Se você se preocupa tanto com famílias abusadoras, já pesquisou quantos abusos são feitos por pais biológicos em comparação com o número assustador cometido por padrastos e madrastas? Leia os livros de Theodore Dalrymple (3,4,5 e 6) e tenha uma dose de realidade que o acordará para sempre. Leia também o livro de Patricia Morgan (7), que demonstra como as políticas públicas influenciam sim nas estruturas familiares, diferente do que geralmente se acredita. Por que, então, não se faz campanhas em prol da família? A resposta está mais abaixo, nesse mesmo texto.
Uma grande preocupação comum aos críticos do “homeschooling” é a questão da socialização da criança. Acham que uma criança que estuda em casa com seus pais não aprende a se relacionar corretamente e conviver com as diferenças. Imaginam que uma criança em casa está em um cativeiro, proibida de fazer amigos em clubes, no condomínio, em aulas de futebol, artes, ballet, natação, com filhos de amigos dos pais, irmãos, primos, etc. Acham que a criança não frequenta mercados, lojas, museus, cinema, parques e, portanto, não aprende a socializar. Acreditam que a correta socialização é obrigar uma criança a ficar quieta por horas numa sala de aula todos os dias, com brevíssimos intervalos para comer, interagir e brincar livremente, sempre com crianças da mesma idade e professoras que definem toda a brincadeira.
Esse tema, nada trivial, merece um texto próprio. Mas abordando um aspecto apenas, cito o interessantíssimo livro do casal Bronson e Ashley, “Filhos: Novas Ideias sobre Educação” onde um capítulo específico fala sobre como as crianças não entendem o preconceito (discriminação) da mesma forma que os adultos. Eles demonstram no livro que simplesmente imergir as crianças em escolas não faz com que elas entendam certas coisas e o problema estará resolvido. (8)
O processo de socialização de uma criança é algo muito mais complexo do que simplesmente assumir que MAIS é melhor. Isso, inclusive, seria supor que a diversidade é maior nas escolas do que fora dela, o que duvido que seja verdade. Se a escola prepara as crianças para a sociedade, é justamente na sociedade que há contato com a verdadeira variedade.
Os ministros sustentaram também que, numa sociedade democrática, não cabe aos pais ensinar a própria religião aos filhos. Caberia então a quem? Ao Estado?
Leia isso:
“Toda adoção de valores morais e de crenças deve ser realizada cientificamente. Devemos colocar e resolver todos os problemas a partir de pesquisa científica; particularmente, a questão da escolha e da adoção das ideias e das crenças deve ser considerada de maneira e com atitudes científica.” (UNESCO) (10)
Ou seja, em benefício de seus filhos, em defesa do “autoritarismo e doutrinação” dos pais, as crenças e tradições familiares devem ser substituídas conforme entendimento da ciência moderna (alguém aqui acompanha o debate e as consequências dessa “disputa” pela verdade?) e pelo entendimento dos especialistas, que definem as regras morais a serem seguidas.
A UNESCO afirmou também que os conselhos dos pais, avós e até dos vizinhos seriam potencialmente contraditórios com as possíveis futuras crenças da criança, e que isso, então, infringe sua liberdade de pensamento. A escola é o local, então, mais apropriado para o ensino dos direitos humanos e da paz. Interessante, não é? Então leia este trecho:
“Se falamos dessa luta nas instituições de ensino, corremos o risco de a burocracia, apercebendo-se subitamente de que realizamos algo de extremamente subversivo, venha a forçar a pesada mão sobre nós. É um perigo que eu conheço e ao qual estou pessoalmente exposto. No momento crítico, devemos considerar o que podemos fazer. Creio realmente que a educação pela paz, em certo sentido, é uma atividade revolucionária. É preciso substituir 'educação pela paz' por 'educação para os direitos humanos”. Adam Curle.
Ou seja, em nome da paz e dos direitos humanos, o Estado quer proteger os filhos de seus próprios pais autoritários e doutrinadores. (Aposto que nenhum deles conhece o currículo escolar clássico sugerido pela Susan W. Bauer (9), referência para muitas famílias educadoras nos Estados Unidos.)
Quer mais um pouco? Segue:
“Na origem dessa reflexão de ordem pedagógica, decerto encontrar-se-á a clássica oposição entre instrução e educação, entre escola e família. Será preciso deixar à esfera privada da família o encargo e a responsabilidade de educar, apoiando-se para tal numa ética? Agir de outro modo não seria romper com a neutralidade da escola, com sua função essencial de transmissão de conhecimentos objetivos? Contudo, a escola não pode limitar-se a ensinar. De maneira implícita ou explícita, ela é portadora de valores e os transmite. Ela educa, portanto. Vale dizê-lo e afirmá-lo claramente.” (Conselho da Europa) (10)
Não escreveria melhor, portanto, cito as palavras do próprio Pascal Bernardin:
“Desse modo, a escalada da criminalidade, da insegurança, da delinquência, do consumo de drogas, a desestruturação psicológica dos indivíduos que se seguiu ao aviltamento moral e à consequente destruição do tecido social são as consequências de uma política consciente. Portanto, a manobra destinada a modificar os valores articula-se assim: inicialmente, impedir a transmissão, especialmente por meio da família, dos valores tradicionais; face ao caos ético e social daí resultantes, torna-se imperativo o retorno a uma educação ética – controlada pelos Estados e pelas organizações internacionais, e não mais pela família. Pode-se, então, induzir e controlar a modificação dos valores. Esquema revolucionário clássico: tese, antítese e síntese, que explica a razão por que, chegada a hora, os revolucionários se fazem os defensores da ordem moral. E por que, nolens, volens, os partidários de uma ordem moral institucionalizada se encontram frequentemente lado a lado com os revolucionários.” (10)
Seria Pascal um exagerado? Talvez valha lembrar da tática comunista de concentrar a confiança de cada indivíduo unicamente no Estado, da seguinte forma: tirar a autoconfiança de cada um, tirar a confiança nas comunidades locais e religiosas, e tirar a confiança da família, voltando os filhos contra os pais. Resta, então, a plena confiança no Estado, que é, por eliminação, a figura única e máxima de autoridade. Parece exagero meu, não é? Que tal procurar e ler o manual de agentes comunistas que vazou e foi publicado na década de 50? O passo a passo está lá. Não sou que estou inventando.
O objetivo da educação pública não é... “preencher os jovens da nossa espécie com conhecimento e despertar sua inteligência... nada está mais longe da verdade. O objetivo é simplesmente reduzir o máximo de indivíduos para um mesmo nível seguro, para criar e treinar cidadãos padronizados, para reduzir os dissidentes e a originalidade.” H.L. Mencken 1924. (2)
Os interessados em fazer “homeschooling” sempre serão a minoria, por razões evidentes. A verdade é que a grande maioria dos pais acha conveniente apenas delegar a criação dos próprios filhos às escolas e cuidadores, e muitas vezes só tem filhos porque é socialmente bem visto ou porque seus colegas estão tendo também, mas jamais pensaram no que é a educação propriamente dita e jamais leriam até o fim livros sérios de pedagogia, como os que listei no fim do texto. É muito conveniente para pais simplesmente colocar os filhos nas escolas, mas é conveniente também ao Estado.
No entanto, isso não é motivo de se proibir essa minoria de interessados em ensinar seus filhos em casa. Diferentemente da postura do Estado sobre “minorias” étnicas e sexuais, por exemplo, a conduta do “homeschooling” apresenta mais risco ao Estado. Problemas que não afetam o poder do Estado não são prioridades. Pense nos crimes hediondos que parecem ser ignorados pelo governo e pela mídia, enquanto para outros são feitos grandes movimentos e propagandas. A regra geral é sempre em função do poder do Estado.
Diferentemente do que foi dito no STF, jovens adultos que estudaram em casa estão sendo muito bem recebidos e até procurados por empresas americanas, justamente porque são pessoas mais independentes, criativas e que se adequam mais rapidamente ao meio de trabalho (melhor socialização?). Por que será que não citaram isso lá no STF?
Essas minorias de homeschoolers não só não afetariam de forma relevante o funcionamento da “educação” como é hoje, como também criaria novos conceitos, novas formas de ensinar, novos materiais, novas metodologias, novos grupos pedagógicos, que poderiam eventualmente divergir das orientações do MEC e, consequentemente, da UNESCO. Será que eles querem isso? Será que a preocupação realmente é com a educação dessas crianças que seriam educadas (desta vez sem aspas) em casa, ou seriam justamente elas uma eventual fonte de preocupação?
Os modelos educacionais vigentes são desenhados baseados no behaviorismo, buscando implantar o conformismo e o respeito à autoridade (Estatal, no fim das contas). Crianças que aprendem rapidamente são tolhidas e as mais lentas são ignoradas. O importante é o conformismo. Antigamente, isso era feito pela violência física, como ensinava já os behavioristas russos Pavlov, Watson e Skinner, sob influência do Wilhelm Wundt, que dizia que as crianças são mecanismos de “estímulo-resposta”: bata mais e farão mais. Skinner já dizia que o ensino do comportamento complexo é ensinar uma sequência de comportamentos menos complexos. “A obediência é fruto da violência”, diziam. Que também é relatado de forma mais ou menos ficcional por Orwell ao falar do Ministério do Amor.
Posteriormente, técnicas muito mais elaboradas e sutis avançaram ao ponto de não ser mais necessário espancar uma criança até ela perder a vontade própria e simplesmente obedecer ao agressor. A técnica da propaganda e neurolinguística avançou de tal forma que não é preciso mais tanto barulho. Descobriram também que o estímulo condicionado é feito mais rapidamente pelo reforço positivo do que pela dor (por isso, ao educar, a forma de elogiar é importante também). Aliás, tampouco é preciso tirar as crianças de casa, com o advento da TV. Tampouco os pais precisam saber o que está acontecendo realmente. (11) Por que a pressa de se fazer curvar um homem à sua vontade, se você pode formá-lo, desde o início, da forma que deseja? O controle da educação visa nada mais que isso. Sempre em benefício da criança, claro.
O inglês Benjamin Kidd, chefe do projeto “The Education Trust”, escreveu em 1918 que o objetivo do projeto era “impor aos jovens o ideal da subordinação”. (12) Mas por que um órgão internacional, repleto de especialistas em educação, psicologia, sociologia, etc., responsáveis pela nossas vidas, faria algo nesse sentido? Porque é muito mais fácil controlar uma população habituada a se conformar do que controlar pessoas que realmente pensam por si e possivelmente se oporiam a tudo isso?
Para finalizar, leia as palavras do Conselho de Educação Geral, da Fundação Rockefeller, em 1906, num documento chamado de “Occasional Letter Number One”:
“Em nossos sonhos... as pessoas se entregam com perfeita docilidade às nossas mãos modeladoras. As atuais convenções educacionais [de educação intelectual e moral] desaparecem. Em nossas mentes, e desimpedidos pela tradição, trabalhamos nós mesmos. Boa vontade sobre um povo grato e responsivo. Nós não devemos tentar fazer destas pessoas, ou de nenhum de seus filhos, filósofos, acadêmicos ou cientistas. Nós não temos de levantar dentre eles autores, educadores, poetas ou escritores. Nós não devemos procurar em embriões grandes artistas, pintores, músicos, advogados, médicos, pregadores, políticos, estadistas - dos quais já estamos amplamente abastecidos. A tarefa que colocamos diante de nós é muito simples... nós iremos organizar as crianças... e ensiná-las a fazer, de modo perfeito, as coisas que seus pais e mães estão fazendo de modo imperfeito.” (12)
Lembrando também Platão, que ensina que uma sociedade perfeita só poderia ser destruída através da educação das crianças, mudando tão sutilmente para o mal que ninguém vivo perceberia, e quando fosse possível perceber, as antigas gerações já estariam mortas. Isso repetido em diversas gerações seria a única forma de destruir uma sociedade perfeita. (A República - Platão)
Dúvida de tudo isso? Pesquise por si mesmo. Leia livros. Busque as fontes. Ou se conformará apenas com o que já sabe?
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