Reflexões sobre os conselhos de Riboulet
Um guia para aqueles que desejam percorrer o caminho da busca pela verdade. É isso que pretende ser o livro “Conselhos sobre o trabalho Intelectual” de Louis Riboulet. Cabe aplicar a ele a metáfora do mapa, usada por Chesterton, para descrever um dos papéis da Igreja Católica: impedir que os indivíduos cometam velhos erros através do mapeamento de ruas sem saída e estradas sem valor. Porém, além de mapear essas estradas sem valor, o autor faz ainda mais, e nos mostra as melhores práticas e grandes exemplos da vida intelectual, nos propondo um caminho sólido para seguir, utilizando-se do mesmo meio pelo qual o escritor inglês descreveu que a Igreja fizera em sua metáfora: o relato da vivência dos espíritos profundos, que desbravaram a busca da verdade antes de nós e seus diferentes métodos e como podemos nos aproveitar deles, segundo sua experiência e entendimento pessoal.
A obra é dividida em dezesseis capítulos, cada um deles como que um degrau de uma escada, um sendo a base do outro, de forma que um assunto aprofundado em um capítulo está plenamente ligado ao próximo, que o transcende ao mesmo tempo que se conecta a ele, através dos exemplos dos grandes autores. O resultado disso é um livro nos proporciona uma leitura suave, enquanto ordena o universo do trabalho intelectual à nossa volta, nos levando cada vez mais para cima em direção à verdade e a Deus.
Riboulet já inicia seu livro nos trazendo o ponto arquimédico que irá balizar não só toda a obra, mas também, se Deus quiser, a vida desse miserável que vos escreve: “Não é permitido a um ser racional viver irrefletidamente sem se indagar se cumpre a missão que lhe foi destinada”. E com essas palavras impactantes nos convida, desde o início, a pensar em um fim que enobreça nossos estudos. É bem verdade que pode ser desafiador para alguns cumprir essa tarefa, mas, para estes, é interessante lembrar das palavras de Vigny, também citadas pelo autor, que enxerga esse nobre fim como um “sonho de juventude vivido na idade adulta''. Muito provavelmente, em algum momento da sua vida, já o tenhas deslumbrado de alguma forma. É preciso também, nos lembra ele ainda, que ao estabelecermos um ideal não sejamos apressados. Pensemos antes com prudência em nossas qualidades, recursos intelectuais, forças físicas e inclinações. Aí então, com coragem, poderíamos ousar dizer algo como Victor Hugo disse: “Serei Chateaubriand ou ninguém”.
Mas a partir do estabelecimento desse ponto, como alcançá-lo? Nos capítulos subsequentes do livro, os caminhos dos grandes homens começam a ser expostos e analisados, com uma primazia pedagógica. Não seria razoável dizer que é por acaso que esses capítulos podem ser agrupados em temas maiores e que, ao não fazê-lo, o autor nos comunica a importância que há em cada capítulo e destaca sua individualidade, sendo cada um deles um conselho valioso a se seguir. Mas para fins didáticos, vale a pena analisá-los em conjunto de forma a destacar aqueles que considero mais impactantes.
Os quatro primeiros conselhos tratam da vontade e do tempo. "Querer pouca coisa, mas querer este pouco apesar de tudo” é uma frase que deve ressoar como um hino para o leitor enquanto este palmilhar vagamente pelo caminho da vida intelectual. Frequentemente, buscamos fazer muitas coisas e pior: muitas coisas ao mesmo tempo. Parece ser óbvio, mas o autor nos lembra de algo simples, que por vezes esquecemos quando estamos tentando alcançar o rastro dos espíritos profundos que vieram antes de nós, ou quando buscamos ser dignos de nos chamar intelectuais: que o segredo de realizar as coisas sempre foi fazer uma coisa de cada vez. Principalmente numa tarefa prolongada, isso parece um tanto quanto difícil e esse conceito básico se perde. Mas, se nos mantivermos todo tempo quanto for necessário em nosso trabalho, a ponto de estarmos, como a citação de Ozanam no livro, “nele prontos para morrer”, certamente o realizaremos com sucesso. Para isso então, não basta que tenhamos longos períodos isolados de esforço, mas que recomecemos todos os dias, aproveitando nossa juventude e todo tempo que Deus nos dispõe para alcançar nosso ideal. É o mesmo que escreveu Payot no seu livro “A educação da Vontade”: “Basta que se faça pouco, desde que todos os dias se faça esse mesmo pouco”.
Saber empregar o tempo em torno de um ideal é essencial, mas é preciso estar precavido contra as más inclinações e se aproveitar das boas. É sobre isso que tratam os próximos três conselhos, através dos quais Riboulet decide jogar uma luz no assunto que outros pensadores, tais como Olavo de Carvalho, consideram que deve ser o primeiro objeto de estudo de um indivíduo: ele mesmo. Payot já dizia, em outra obra, que um jeito certeiro de garantir seu fracasso é ir contra suas inclinações e personalidade. Assim, o autor nos instrui a entender quais são os sentimentos e inclinações que nos levam à vida intelectual, ao amor pelos livros, ao verdadeiro e ao belo e cultivá-las, colocando inclusive esse apreço pelas coisas do alto como uma condição para o sucesso. Ao mesmo tempo, nos adverte sobre como devemos lidar com a curiosidade, impedindo que caiamos em erros que nos fariam nos perder cada vez mais de nós mesmos. Desses, vale a pena destacar o erro que advém do que Riboulet chamou de "curiosidade malsã”, que nos faz ir atrás de atos violentos e sensuais, tais como lutas e alguns livretos, despertando em nós o que há de mais animal. E por fim, ainda nos mostra como deveríamos utilizar os estudos para ordenar nossas faculdades em harmonia, nos trazendo a analogia do Pe. Longhaye: “ Tereis, pois, prazer em ver a cabeça de um homem se tornar enorme ou um de seus braços se tornar comprido e grosso como todo o corpo? E porque seria diferente na alma?”. Existe uma primazia da razão que é seguida pela da vontade, e estas, por sua vez, são auxiliadas pela imaginação, sensibilidade e memória. Vale a pena o leitor se debruçar um pouco mais sobre esse conselho e refletir sobre como está organizando essas faculdades em sua vida. Nos nossos tempos, a sociedade é formada por homens confusos que ordenam suas vidas tendo como a principal base sua sensibilidade, analisando o certo e errado a partir do que sentem e não do que é correto de fato, se iludindo quanto ao que enxergam por conta de uma imaginação exasperada e corrompida pela sensualidade. Não é para menos que estão todos depressivos.
A importância de mergulhar em si é, portanto, indiscutível, segundo o autor, tanto quanto é também apenas o primeiro passo, quando nos referimos a objetos de estudo. Assim, os próximos dois conselhos tratarão sobre o tema da formação “técnica” do estudante, nos levando a entender como podemos alcançá-la. Aqui, existem duas ideias centrais: a primeira prega pela preferência que devemos ter a “estudos que dão ao espírito uma cultura mais geral”, no sentido de que é preciso estudar as matérias à luz dos princípios da natureza e de sua condição científica particular, não permitindo que ela se descaracterize, nem que se descole da realidade. Deve-se estudar matemática, então, de forma a respeitar suas regras, mas não é inteligente querer reduzir o mundo a um cálculo matemático. Riboulet nos lembra, e muito bem aliás, que existem outras ciências que não podem ser quantificadas, tais como a moral, as “ciências da vida” e claro, a metafísica. Esse é inclusive um outro impulso de nossos tempos: o homem cada vez mais materialista, não consegue raciocinar para fora dos cálculos matemáticos e das quatro forças físicas sem perceber, como diria o astrofísico e padre Manoel Carrilha, que nenhuma interação dessas forças explica, por exemplo, uma poesia. O que não quer dizer que a matemática não seja extremamente benéfica para o espírito, como nos lembra o autor, juntamente com outras matérias como história, que roda como que uma simulação da realidade, ajudando-nos a compreendê-la, ou o raciocínio lógico, cujo desenvolvimento em um estudante certamente contribuirá para ensinar sobre a organização das substâncias no mundo a sua volta. A segunda ideia vem então complementar essa primeira e estabelecer que, depois de entender o ordenamento de cada ciência, devemos escolher boas leituras e as ler com inteligência e com vigor. Ler apenas bons livros, recolher-se durante essa leitura e encontrar neles o pleno desenvolvimento das faculdades, aumento e manutenção dos conhecimentos e fortificação de nossa formação moral.
Tudo isso junto, porém, não irá durar, como não dura nada nesse mundo, sem a fé. Essa virtude, presente dado por Deus, que o catecismo da Igreja Católica ensina que é como a elevação de nossas ações à graça dEle, é o objeto dos últimos dois capítulos do livro, que o fecham de maneira primordial. Aqui, o autor inicia nos trazendo uma citação de um estudante que formulou em uma frase seu programa de estudos: “6 horas para estudo, 8 horas para o sono, 10 horas para as coisas do mundo e todas para Deus”. E em seguida, nesses capítulos -- que são como o último degrau de uma grande escada em direção à verdade --, o autor nos remete de volta ao início e nos diz: “Eis o ideal supremo”. As pequenas lições que são expostas dentro dos capítulos, por mais singelas que sejam se analisadas individualmente, passam a ter um significado imenso, agora à luz de toda uma jornada que percorremos ao ler essa obra, de forma que conseguimos compreender tudo o que expressam, nos causando um sentimento estranho de ordenamento. Estranho porque, não é como se já não tivéssemos ouvido aquelas mesmas palavras em outras centenas de lugares, de montes de pessoas que nem param para pensar no que estão dizendo, mas é que é como se elas ganhassem um significado novo, ou como se nós finalmente o entendêssemos. Aqui, podemos novamente comparar o sentimento que o livro nos causa com uma metáfora de Chesterton, ao explicar, dessa vez, sua descoberta do catolicismo: é como partir numa viagem, e ao chegar ao destino ter a sensação de voltar para casa. Lições um tanto óbvias, como “um espírito de fé enobrece e santifica as ciências”, “o espírito de fé te virá como um estímulo” ou até “apavora o mal e vive na amizade de Deus”, parecem ganhar nova vida no curso de sua explicação com os exemplos dos grandes autores.
Riboulet, portanto, foi muito bem sucedido em reunir suas notas e escrever seus conselhos, fazendo com que esse livro seja um mapa completíssimo da vida intelectual, além de uma leitura obrigatória a todos os que desejam começar uma vida de estudos ou se sentem perdidos dentro dela. Se, como Sertillanges diz, o estudo é uma oração à verdade pedindo que ela se revele para você, estou certo, depois de ler essa obra, que escrever é também uma oração à verdade, pedindo que ela se revele através de você. Espero que o leitor que se depare com esse livro consiga aproveitar tudo o que ele oferece dessa revelação.
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