O Futuro do Pensamento Brasileiro - Resenha

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Por Michell Marins
13 de julho de 2023

O Futuro do Pensamento Brasileiro¹ de Olavo de Carvalho é uma daquelas raras obras que nos inspira a percorrer um caminho cultural em prol de algo mais elevado, cuja recompensa não será imediata, como muitos brasileiros almejam. O motivo de não ser muito comentada nos meios “olavetes” me parece evidente: a obsessão pelo lucro imediato impede qualquer criação de um trabalho intelectual relevante a longo prazo. 

A obra é dividida em duas partes, a primeira nos apresenta as causas da incapacidade brasileira diante das circunstâncias existenciais, demonstrando o motivo do isolamento do brasileiro em sua realidade particular e a rejeição em tomar posse da sua própria inteligência. Contudo, o autor não apenas diagnostica a doença, mas prescreve o remédio para solucionar a crise espiritual vigente. A segunda parte é uma reunião de conferências transcritas, a respeito de história, educação e política, realizadas por Olavo em Paris e Bucareste sob os auspícios da Embaixada Brasileira na Romênia e da Faculdade da Cidade. Ambas as partes estão interligadas pelo tema da exclusão.

Para compreensão do livro como um todo, faz-se necessário nos situarmos no centro da Cruz de Seis Pontas, o símbolo dos símbolos, pois é um meio de vislumbrar o esquema geral do acontecer humano, e mais: todas as teorias das ciências humanas². Qualquer objeto tem um “em cima”, um “embaixo”, um “para frente”, um “para trás”, um “para esquerda” e um “para direita”. A cruz expõe a estrutura fixa da condição humana perante a transcendência e imanência, futuro e passado, natureza e sociedade. Perceber a estranha ordem geométrica da existência, permitirá ações concretas e conscientes na transformação do indivíduo e da sua circunstância.

Olavo de Carvalho é o nosso Virgílio. Ele realiza o papel de um guia que iluminará o caminho para nós, os leitores. Nessa viagem por domínios não mapeados, a concepção do brasileiro como um náufrago será evidenciada como uma circunstância endêmica, mas não eterna. A análise da primeira parte, nos impõe o seguinte questionamento: “Por que o brasileiro se recusa a encarar o futuro seriamente?” A reposta para essa pergunta não poderia ser mais propícia:

“...pensar no futuro é tomar consciência da morte; é ter de admitir que nem tudo, do que é nosso e brasileiro, do que é nosso e querido, pode sobreviver; que sobreviver é escolher, e escolher é renunciar. E aqui ninguém deseja pensar nisso”³.

A morte é inescapável. Só aqueles que se atreveram a plasmar sua terrível simetria podem compreender o valor da vida. O futuro do Brasil depende da eliminação dessa inconsciência da morte. Mas como superar essa natureza vil e infame? Devemos suturar o eixo central da Cruz: a dimensão do céu (“para cima”), através da religião, e a dimensão da terra (“embaixo”), por meio da língua. A manifestação superior da mística e da santidade, restaurando a consciência da imortalidade, seria a única solução possível para contemplar a possibilidade da perenidade. A morte seria encarada não como o cessar da ação humana e exclusão do diálogo, mas um continuar ininterrupto. A língua, por outro lado, é o fundamento da identidade nacional, e sua ojeriza nos meios uspianos e intelectuais, evidencia uma rejeição monstruosa do patriotismo no Brasil. A perpetuação da linguagem garante uma herança civilizacional, porém, a natureza brasileira consiste em colecionar rejeições aos valores elevados e se gabar disso.

Diante do deslocamento do brasileiro em relação ao eixo central humano básico, a possibilidade de resgate desse pélago insondável deve se originar nos feitos do gênio individual, no resultado de cinco séculos de esforço do pensamento brasileiro que alcançaram nível universal, a saber: Gilberto Freyre e a sua sociologia, Miguel Reale e seu pensamento jurídico e político, Otto Maria Carpeaux, sua obra crítica e historiográfica, e Mário Ferreira dos Santos e sua filosofia.

As obras dos gênios servem para iluminar o caminho. Diante desse vale de ossos secos, ainda existem aqueles que não morreram, embora não respirem mais. Com as contribuições apontadas por nosso guia, as dimensões da ciência e da cultura, outrora enterradas pelos esforços de uma coletividade imbecilizante e importada, vêm à superfície, revestidas de músculos e tendões, e em posição de guerra4. Pelas suas realizações, os quatro pontos restantes da Cruz simbólica se completam e revelam novos caminhos para o futuro. A nossa continuidade como civilização, dependerá, unicamente, de espelhar essa grandeza e formar uma herança cultural genuína, como diz Olavo:

“Se queremos saber o que do Brasil sobreviverá, devemos perguntar-nos o que, nele, tem valor supratemporal, o que, nele, não fala de nós, mas fala aos homens do futuro sobre algo que para eles seja de importância vital. Uma cultura sobrevive por aquilo que dá aos homens do futuro, não por aquilo que guarda, narcisisticamente, da sua própria imagem.”5 

Ao final do livro, após todos os seis umbrais haverem sido abertos, o estado de exclusão do Brasil no debate universal humano pode, enfim, acabar. As pontes para o acontecer das futuras gerações foram arquitetadas. Apesar das intempéries ao longo dos tempos, com avanços de agendas internacionais da UNESCO e o agir dos “sacerdotes das trevas”, cheios de intensidade apaixonada para desapropriar consciências e transferir o encargo de conhecer a verdade do indivíduo para a coletividade. O cenário brasileiro, no prelúdio da obra, pode ser considerado dantesco, porém, após percorrer essa estrada para o paraíso, o autor clareou o caminho com vários pontos de luz inesgotável, mas como Virgílio, não vislumbrou o empíreo. Hoje, o quinto gênio brasileiro descansa, mas a sua obra permanece viva. Olavo de Carvalho, mesmo morto, não para, não precipita e não retrocede.

-   Trabalho de conclusão do curso "Prolegômenos da Escrita"

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Michell Marins

Graduado em Direito e aluno da Comunidade de Estudos do COA.


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