A Vida Intelectual

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Por Christian Bonetti Barbuto
28 de maio de 2022

É preciso entregar-se de todo o coração para que a verdade se entregue.

—  A. –D. Sertillanges.

Após meses longe da pena, comprometi-me a escrever uma resenha para o livro “A Vida Intelectual”, do padre Sertillanges, custe o que custar. Farei o possível para condensar as belas lições da obra neste texto de estreia em 2019.

Desenvolver o espírito”: eis o objetivo da vida intelectual. O pensador se move por elevadíssimos pilares, que só se sustentam se adorados em conjunto; e talvez ‘adorar’ soe como um verbo demasiado forte para um livro mergulhado na fé cristã para alguns. Pois digo que não, visto que o autor tem o cuidado de conferir à verdade o status de “divindade própria do intelectual” desde que sua inspiração seja Deus, que é tanto a fonte do conhecimento quanto do estudo. Como diz a oração, “para que em Vós comece e para vós termine tudo aquilo que fizermos”.

O philo-sophos, ao ouvir a Voz que o chama, é atraído para o abrigo secreto da verdade, o “celeiro de vinhos”, imagem proposta no capítulo III para nos resumir a necessidade de solidão e meditação durante o estudo. Só podemos ingressar nessa cela reconfortante caso trabalhemos com retidão e concentração; para isso, Sertillanges nos lembre que “todas as grandes obras foram preparadas no deserto, inclusive a redenção do mundo”. Ao trabalhar honesta e sinceramente, aproximamo-nos de Jesus ao cultuar sua verdade, seja na solidão da escrivaninha ou no silêncio da biblioteca.

Mas qual caminho devemos tomar para atingir o celeiro? Primeiramente, não podemos seguir como a lembre inconstante, mas devagar e ritmicamente como a tartaruga. Deve-se criar um hábito, uma rotina de estudos que abarque tanto os momentos de trabalho como de relaxamento, não esquecendo de orar para que se mantenham a calma e a perseverança, sobretudo frente ao desânimo e a falta de confiança em nosso trabalho; eis as principais preocupações de Sertillanges: cultivar o amor ao conhecimento e afastar os desejos fúteis do cotidiano. Tal tarefa é por vezes árdua ao indivíduo, que ora se vê rodeado por aqueles que zombam de seus estudos, ora por quem sequer conhece suas sinceras ações; tais são os corrompidos pelas “pressas” do dia-a-dia, os escravos da carne.

Relembremo-nos de que a criação apresenta sinais de seu Criador: eis a chave para a trilha do conhecimento. O autor exorta a necessidade de estarmos permanentemente atentos à realidade, pois nela “A sabedoria clama nas ruas” e “prega à entrada dos lugares ruidosos” (Pr 1: 20-24). Esta presença total é como a curiosidade incessante das crianças, que manifestam sua simplicidade e desejo sincero do saber através de seus questionamentos. Aliás, Mortimer Adler vê com importância fundamental que mantenhamos a capacidade das crianças de formular perguntas sinceras, pois é a atividade filosófica par excellence.

Retornemos à importância do hábito, pois sem ele não há ordem, e sem ordem não há progresso  — com o perdão da invocação do lema positivista[1]. Abro um pequeno espaço para uma reflexão pessoal que julgo valiosa: “O estudante desordenado é como um general sob um ataque das musas da inspiração ou sereias da distração, que, paralisado pelo espanto, deixa seu exército padecer por falta de ordens”.

O hábito implica a rotina: após a oração matinal, enunciemos em voz alta a fórmula “sursum corda!”, que significa “elevemos nossos corações!”. Pela noite, que se apazigue o tumulto do dia e se cultive um sóbrio relaxamento, aquele que colabora para o trabalho subsequente em vez de cansar-nos o corpo e o espírito. O lar ao cair da noite necessita tranquilidade, silencio, oração e conforto.

Chegamos, agora, a um trecho fundamental do livro: “Os instantes de plenitude”, no capítulo IV. Aqui, Sertillanges expõe mais uma vez a solidão como condição ideal do trabalho, e mostra que conhecer o valor do tempo de trabalho é mais importante do que dispor do maior tempo possível. Mais vale concentrar-se em duas horas de estudo do que permanecer uma eternidade sobre a escrivaninha.

No próximo capítulo, encontraremos a ideia de uma rede de conhecimentos, na qual as verdades conversam entre si e nenhuma delas é autossuficiente  — até porque, todas elas vêm do Criador. Uma boa imagem a ser construída aqui é a de um sítio arqueológico: num trabalho para se encontrar determinado esqueleto completo, o cientista não irá abandonar tudo após encontrar um único osso. De modo semelhante nós devemos encarar a verdade que buscamos no trabalho intelectual: elas nos levam umas às outras, como em uma cadeia infinita.

Gostaria de lembrar ao leitor terceira máxima do pensador segundo Jean Guitton em seu “O Trabalho Intelectual”: “Agarre-se a um só ponto e gire ao seu redor”; ou seja, ao estudar algo, extraia tudo o que puder deste objeto e não o deixe “digerido” pela metade. Eis aí um exercício hercúleo, pois muitas vezes somos impelidos a buscar várias coisas ao mesmo tempo, da mesma forma como são as disciplinas no Ensino Médio: lê-se o básico, muda-se de tópico. Isto, tanto para Guitton como para Sertillanges, é um vício do qual precisamos nos livrar.

Atentemo-nos também às virtudes que devemos guardar em nossos corações: a prudência, a temperança, a humildade, a perseverança, e, é claro, a tríade teologal: fé, caridade e esperança. Praticá-las significa submetermo-nos à verdade, aceitar as críticas corretas, deixar desvanecer nosso orgulho, e eliminar a soberba através nossas preces.

Seguindo para o fim da obra, Sertillanges trata da necessidade de sobriedade ao escolhermos nossas leituras. Não se deve atolar o cérebro com futilidades, mas sim “ler inteligentemente, não apaixonadamente”. Deve-se dar pouca atenção aos jornais, lendo-os com intensidade semanal e focando apenas nas urgências da atualidade, e, não nos esqueçamos que os momentos de recolhimento são tão importantes quanto os de leituras relaxantes.

Além disso, ao lermos obras de formação, deixemos as críticas para depois do pleno entendimento da questão discutida — e eis uma concordância com o que diz Mortimer Adler em Como Ler Livros. Devemos, pois, aproveitar o longo trabalho dos gênios das gerações passadas, pois eles já mergulharam na essência do espírito humano e nos legaram obras fantásticas que simplificam o entendimento de tudo. Pois, “Só penetramos na intimidade dos gênios participando de sua inspiração; escutá-los de fora é nos condenar a não ouvi-los”. Aqui, Sertillanges dá o primeiro passo para o trabalho criador, para além do estudo e da meditação.

Por fim, vemos a importância da determinação de escrever e não ter medo de começar; breves palavras sobre o estilo, que deve ser honesto e sóbrio. O serviço que prestamos à verdade deve ser heroico a pondo de requisitar nossas vidas; tenhamos constância, paciência e perseverança e daqui tudo se seguirá. É evidente que o caminho é longo e árduo, mas as delícias deste sonhado “celeiro de vinhos” valem nossos esforços. Utilizando estes conselhos e métodos, acredito que podemos alcançar resultados belíssimos e de suma relevância num mundo dominado por falsos intelectuais. Tenhamos a iluminação da graça de Deus como guia e Jesus como exemplo, pois desta forma os frutos podem tardar, mas quando vierem valerão o esforço do bom combate.

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Christian Bonetti Barbuto

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Comentários


  • RAFAEL NOBRE DE LIMA SANTOS 05 de set, 2022  

    Primeiramente, não podemos seguir como a *lembre* inconstante, mas devagar e ritmicamente como a tartaruga. Quarto parágrafo, lebre*