A natureza estática da feminilidade

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Por Valéria Campelo
07 de junho de 2022

Sobre a fraqueza da mulher e a superioridade do homem, e vice-versa

A filósofa belga Alice von Hildebrand afirma que, “ao desejarem se tornar como os homens, as feministas inconscientemente admitem a superioridade do sexo masculino”. José Ortega Y Gasset, por outro lado, diz que “todo homem dotado de uma sensibilidade bem aguçada já experimentou, ao lado de alguma mulher, a impressão de estar diante de algo estranho e absolutamente superior a ele”.

Numa primeira leitura, estes dois autores parecem apresentar duas visões completamente antagônicas: a de que o homem é superior à mulher e, do outro lado, a de que a mulher é superior ao homem. Mas, quem, afinal, é superior a quem segundo a melhor perspectiva filosófica? — pode-se perguntar. Uns tendem a concordar com a primeira sentença; outros podem concordar que as mulheres são superiores; e há, ainda, quem defenda não haver nenhuma relação de superioridade entre o homem e a mulher.

Através da presente reflexão, pretendemos oferecer uma resposta suscinta e ao máximo precisa a essas inquietações de que boa parte dos nossos leitores parecem compartilhar. Para tanto, nos inspiraremos nas lições trazidas por diferentes autores e mostraremos que, longe de serem antagônicas, as visões de Ortega y Gasset e Hildebrand são absolutamente correspondentes.

Para cumprirmos nossa missão, é importante discorrermos, preliminarmente, sobre a natureza das diferentes atitudes feminina e masculina à luz da boa filosofia. E recomendamos ao leitor que não deixe de conferir as referências e leituras recomendadas ao final da página.

Pois bem, para a filósofa alemã Edith Stein, a atitude da mulher, diferente da do homem, tem em vista o “pessoal-vivente" e está voltada para o “todo”. Cuidar, velar, conservar, alimentar e promover o crescimento: esse é seu desejo natural, genuinamente maternal, diz Edith. O inanimado, a “coisa” lhe interessa, precipuamente, na medida em que está a serviço do “pessoal-vivente”, menos em si mesma.

Se há, quanto a isso, alguma aparente obscuridade, Ortega y Gasset esclarece: as excelências masculinas — o talento científico ou artístico, a destreza política ou financeira, a heroicidade moral — são, em certo sentido, extrínsecas à pessoa e, por assim dizer, instrumentais. O talento consiste na aptidão para criar certos produtos socialmente úteis — a ciência, a arte, a riqueza, a ordem pública. E somente uma pequena parte, apenas um reflexo do valor que atribuímos a essas coisas se projetam nos dotes necessários para uma pessoa produzi-los. Um homem, assim, que padece de graves defeitos pessoais, em nada se vê impedido de realizá-los, dado o caráter extrínseco dos seus talentos. A excelência masculina radica, portanto, em um fazer.

Mas a excelência da mulher, diz Gasset, radica em um ser e em um estar. Em outras palavras, o homem vale pelo que faz; a mulher, pelo que é. Assim, a profunda intervenção feminina na história não precisa consistir em ações, em tarefas, mas na imóvel e serena presença de sua personalidade.

Enquanto o progresso masculino consiste em fabricar coisas cada vez melhores — ciências, artes, leis, técnicas (o inanimado) —, o progresso feminino consiste em fazer-se a si mesma mais perfeita, criando em si um novo tipo de feminilidade mais delicado e mais exigente, através do qual os homens vão anulando, podando, acertando seus atos reprováveis e fomentando os que dela obtiverem aquiescência. Para Ortega, a mulher leva, sem saber, dentro da sua alma feminina, um imaginário perfil, uma carga ideal, a qual aplica em cada homem que se aproxima. De sorte que, ao fim, as mulheres criam nos homens, praticamente imóveis, estáticas, um novo estilo e tipo de vida; e, para o bem ou para o mal, um novo ideal de homem.

Para Edith Stein, um outro aspecto está ligado a esse: por natureza, a mulher é avessa a abstrações em qualquer sentido: seu modo de conhecimento natural não é tão dissecador-conceitual e sim intuitiva e emocionalmente direcionado ao que é concreto. Essa disposição habilita a mulher à função de assistente e educadora de seus próprios filhos, mas essa sua atitude básica não vale só para eles: ela se dirige também ao homem e a todos os seres que entram em contato com ela (o pessoal-vivente).

Quando um homem está concentrado em seu assunto, observa Edith, dificilmente consegue se adaptar aos problemas de outras pessoas. Para a mulher, no entanto, essa é uma atitude natural. Com sensibilidade e compreensão consegue aprofundar-se em temas que, de per si, lhe são estranhos e com os quais nunca se preocuparia se não fosse um interesse ligado à sua predisposição maternal. E o fato é que a participação viva desperta as forças e aumenta a capacidade daquele que a experimenta. Assim, ela tem uma função auxiliadora e educativa, genuinamente maternal, de que necessita os filhos e ainda (e especialmente) a pessoa amadurecida.

Não por acaso, Alice von Hildebrand diz que a “fraqueza” do sexo feminino no que diz respeito a grandes feitos e produtividade pode ser mais do que compensada por sua força moral quando ela atende ao seu “chamado”. Pois a mesma natureza que estabelece o homem como orientador e “cabeça” da mulher o fez, também — quiçá ainda mais ferozmente —, submetido ao poder influenciador, persuasivo e pacificador da mulher.

Kierkegaard define com perfeição essa força moral feminina quando afirma que “a mulher é a consciência do homem”. Mas sua consciência, diz Alice, tem de ser iluminada pela fé e alentada pelo amor verdadeiro, e não uma consciência distorcida por um relativismo egocêntrico, próprio daquela que dispõem as mulheres influenciadas pelo movimento feminista.

Nietzsche, diz Hildebrand, teve uma nítida percepção de que a emancipação das mulheres era um sintoma de que seus instintos femininos estavam enfraquecendo. Segundo ele, essa “emancipação”, na verdade, corresponde à “masculinização” da mulher.

Portanto, ao afirmar que, aspirando serem iguais aos homens, as feministas "admitem a superioridade dos homens”, a autora quer dizer: ora, se as feministas enxergam somente nos grandes feitos científicos, na política e na arte a máxima realização humana, então são elas que admitem a superioridade do homem enquanto ser humano. Pois da perspectiva contrária, especialmente a cristã, essas realizações têm um valor secundário; agregam valor à vida, mas não dão sentido à vida; não passam de pó e cinzas diante da eternidade.

Os valores judaico-cristãos, a que as feministas tanto desprezam, exaltam a humildade e a caridade como as maiores de todas as virtudes. É certo que homens e mulheres podem servir e amar ao seu próprio modo. Mas quis Deus que as mulheres o pudessem fazer com a natural perfeição reservada àqueles que a possuem como precípua missão. Como alguém, então, pode concluir que a cultura judaico-cristã, e mais especificamente o cristianismo, inferioriza e degrada as mulheres?

Pensamos que homens e mulheres podem ser superiores, cada um, conforme os talentos e habilidades a que estão naturalmente inclinados. Assim, segundo sua própria condição física e psíquica, os homens, em maioria, em todas as épocas, foram, são e serão superiores às mulheres em atributos como a força e o conhecimento dissecativo-conceitual, os quais lhes reservam, naturalmente, e com muito mais frequência, o topo das grandes realizações tecnocientíficas.

É claro, também, que sempre haverá exceções: muitas mulheres se destacam na ciência, na filosofia e nas artes, embora, como demonstramos, a essência da sua motivação seja diferente da dos homens. Alguns homens, por outro lado, se mostram excelentes nas atividades domésticas, inclusive as educativas, e às vezes as desempenham com espontâneo e delicado zelo. Novamente, estamos falando de uma minoria, de exceções e de motivações diversas.

Outrossim, é importante mencionar que nem sempre a “fraqueza” e a “fragilidade” atribuída ao sexo feminino remete a um defeito ou a uma insuficiência. Em muitos casos, bem lembrou Hildebrand, o fraco, o frágil e o vulnerável remetem a objetos e pessoas que possuem em si algo particularmente fino, raro, caro. Na literatura cristã, muitas vezes a fragilidade das mulheres se converte em força e virtude heroica. Na literatura em geral, não raro a fraqueza feminina apela à piedade e desperta o melhor que há nos homens em favor dos mais fracos e necessitados.

O fato é que, ao tratarmos dessa questão, não estamos lidando com um problema de hierarquia entre os sexos, mas de consciências: de um lado, a consciência cristã, que exige de todos, homens e mulheres, a disposição verdadeira à humildade e ao serviço; do outro, a consciência distorcida de que o serviço e a humildade são degradantes e “machistas”.

Enquanto Cristo diz “não vim para ser servido, mas para servir”, diz Alice, o feminismo ensina que servir é degradante. O serviço é visto como anti-democrático e humilhante, e a humildade uma virtude sem valor. Isso, claro, quando quem serve é a mulher. Uma feminista escandalizada ao ver Catarina de Sena identificando a si mesma como “escrava de Cristo”, por exemplo, não se escandalizaria do mesmo modo ao ver um homem, como Antônio, o Grande, assumindo que “o homem verdadeiramente dotado de razão só procura uma coisa: obedecer e agradar ao Deus do universo”.

O feminismo jamais irá reconhecer que os valores que rejeitam o orgulho, a arrogância e o egoísmo da mulher feminista são os mesmos que condenam a mediocridade, a arrogância e a altivez infantil dos homens que inferiorizam as mulheres por palavras ou ações. Ambos são igualmente consequência do pecado.

Se da nossa estimada filósofa belga quiséssemos eleger as principais observações neste assunto, esta, certamente, seria indispensável: "o feminismo, ao declarar guerra à feminilidade [e à masculinidade], está, na verdade, declarando guerra à Cristandade". Pois no plano divino, as duas coisas estão intimamente ligadas, de modo que, lutando uma mulher contra sua essência feminina ou um homem contra sua masculinidade, este ser poderá encontrar tudo: ressentimentos mimados, prazer, boas doses de alegria e até longos períodos de bem-estar; só não felicidade.

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Valéria Campelo

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão. Redatora, tradutora, advogada e "ademira" do CoA.


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